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OPINIÃO

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Motociclismo no Brasil: esporte de rico, ou nem tanto?

Miguel Garcia, 8 anos de idade, vencedor em sua estréia na Motovelocidade - Idário Café-Mundopress/divulgação
Miguel Garcia, 8 anos de idade, vencedor em sua estréia na Motovelocidade Imagem: Idário Café-Mundopress/divulgação

Colunista do Uol

17/03/2022 09h13

Estrear com vitória não é comum, mas acontece. Miguel Garcia, oito anos de idade, foi o primeiro colocado na 1ª etapa da Honda Jr Cup 2022, a categoria número zero da motovelocidade brasileira. Em sua "primeira vez" em uma etapa oficial do Superbike Brasil, - em Interlagos, ainda por cima! - Miguel não foi intimidado pelo templo e nem pela inexperiência, e dos treinos sexta-feira até a vitória no domingo, seu ritmo de volta evoluiu nada menos do que dez segundos, de 2min35s8 para 2min25s7, que acabou sendo a melhor volta da prova entre os 18 participantes. Largou da 4ª posição do grid e, duas voltas antes da bandeirada, deu o bote, foi para a ponta e venceu.

Temos um novo ídolo, um "Ayrton Senna" das motos que sempre nos faltou? Calma, muita calma... Quilômetros e mais quilômetros devem passar debaixo do nariz de Miguel para que ele ou qualquer outro de sua idade possa ser efetivamente considerado um fenômeno do motociclismo. Porém, é inegável que uma estreia dessas surpreende. Desejo sorte a Miguel, e faço um pedido aos que o cercam, pais, amigos, equipe e etc.: não encham demais a bola dele, não criem expectativas exageradas. Sequer mostrem este blablablá para ele. Deixem que ele se divirta, pois é isso que uma criança de 8 anos deve fazer, se divertir. Será se divertindo, inclusive bancando o piloto de motos, que ele terá chance de alcançar o sucesso.

Motovelocidade - Idário Café-Mundopress/divulgação - Idário Café-Mundopress/divulgação
Miguel Garcia estreou com vitória na Honda Jr Cup
Imagem: Idário Café-Mundopress/divulgação

Muitos torcem o nariz para crianças competindo com motos. OK, é um esporte de risco, mas pilotar a pouco potente Hondinha da Jr Cup na pista, com a devida infraestrutura, não é mais perigoso do que andar de bicicleta ou skate solto pelo bairro, ou descer ladeiras em carrinhos de rolimã, como muitos de nós fizemos na infância. Hoje em dia para se ver garotada na rua é preciso ir para a periferia, já que nos bairros bacanas não tem viva alma jovem na rua. Os "bem nascidos" estão em sua maioria ou jogando videogames em casa, ou praticando esportes como tênis, futebol, natação, judô em lugares blindados. Andar de moto? Imagina...

E aí chegamos a um paradoxo: motociclismo, como todo esporte a motor, é um esporte caro, coisa de rico. Mas quem tem dinheiro parece cada vez mais querer se distanciar de riscos, buscando não só segurança como o "politicamente correto". Tenho razão? Talvez. Traço um paralelo com o automobilismo: o Brasil foi um grande celeiro de pilotos de automóveis, conluio entre a razoável efervescência de categorias de toda a espécie nos anos 1950/1960 com o sucesso individual de um cara, Emerson Fittipaldi, cria daquele ambiente empolgado, e que inaugurou a trilha gloriosa percorrida na sequência por Piquet, Senna, Barrichello e Massa, só para citar os que efetivamente chegaram lá. À exceção de Senna, todos enfrentaram dificidades financeiras para chegar lá.

Nas motos não tivemos nenhum Fittipaldi, um brasileiro "puxador de paixão", um campeão mundial verde-amarelo. Motocicleta como instrumento esportivo foi sempre meio marginal, no mais amplo sentido da palavra, e portanto mais pobre. O automobilismo no Brasil foi (e ainda é) bem mais rico que o motociclismo, mas estou com a impressão de que a base do esporte sobre quatro rodas, o bom e velho kart, já viveu dias melhores, mais apaixonados. Será culpa do videogame? Seja como for, tal fato se verdadeiro resultou em não termos mais nenhum brasileiro na Fórmula 1.

Motovelocidade - Idário Café-Mundopress/divulgação - Idário Café-Mundopress/divulgação
Honda Jr Cup, a categoria de entrada na motovelocidade nacional
Imagem: Idário Café-Mundopress/divulgação

Torneios como a Jr Cup, que existe desde 2013, tem custos de participação acessíveis a nem tão ricos assim (como Miguel Garcia, que até onde sei não é filho de nenhum bacana). Esta acessibilidade criou uma geração de novos pilotos despontando, com boas chances de "chegar lá". Não por acaso 2022 será um ano fértil, no qual muitos jovens brasileiros estarão se aventurando em pistas internacionais, gente que foi formada por categorias de base como a JR Cup que Miguel Garcia venceu na estreia. O melhor exemplo é Diogo Moreira, 17 anos, que no mesmo final de semana em que Miguel venceu em Interlagos foi brilhante 6º colocado na sua primeira corrida no Mundial de Moto3, no Qatar.

Diogo é uma cria do motocross que aos dez anos de idade migrou para a motovelocidade. Com 12 venceu uma etapa do torneio monomarca Honda CBR 500, o que lhe abriu portas para viver na Espanha e tentar escalar o Everest do motociclismo internacional. Quatro anos depois está perto do cume, na Moto3, antessala da MotoGP, a Fórmula 1 das motos. Chegou lá por ter talento, e não pai rico. Que Miguel Garcia não nos ouça, mas é exatamente esta progressão que lhe desejo. Mas, por enquanto, ele deve estudar e principalmente ser criança, aproveitar a infância para aprender e se divertir. Inclusive vencendo corridas.

Observação final: não seria justo deixar de mencionar o degrau seguinte à Honda Jr Cup, a categoria Yamaha R3. Sucesso absoluto no Brasil e no exterior, em breve vou dedicar um espaço digno ao tanto de bom que este torneio vem fazendo pela motovelocidade, do qual já dei uma pincelada semanas atrás quando falei da R3 Horas disputada recentemente em Curvelo, MG.