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Os pneus da MotoGP: heróis ou vilões?

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Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

21/10/2021 10h46

O tema desta coluna ia ser outro. Pensei escrever sobre o equilíbrio técnico que marca a MotoGP atual, e que foi evidenciado no Grande Prêmio disputado no final de agosto, em Silverstone, Inglaterra, onde nada menos que seis motos de marcas diferentes - Yamaha, Suzuki, Aprilia, Ducati, Honda e KTM - ocuparam as seis primeiras posições.

Isso não acontecia na categoria máxima da motovelocidade desde 1972, há distantes 49 anos, e considerando que são exatamente seis as marcas que disputam a MotoGP atual, é de bater palmas esta saudável competitividade onde todas as motos parecem capazes de brigar pela ponta. Ao contrário da Fórmula 1, na MotoGP a "receita do bolo" para o motor não é padronizada, pois há os 4 cilindros em linha e os 4 em V, idem para chassi, que tem desenhos distintos e são feitos de materiais diferentes, chapas de alumínio ou tubos de aço. Viva a diferença!

Porém, lendo o artigo de um colega - Raul Martini - publicado em um importante site italiano, resolvi colar nele (ou dele) e mudar de assunto. Em vez de me alongar em um blábláblá técnico sobre o tal equilíbrio técnico das motos e coisa e tal, contarei o que Martini descobriu debruçando-se nas estatísticas.

O colega percebeu que entre 2013 e 2016, 61 Grande Prêmios da MotoGP foram vencidos por apenas quatro pilotos - Márquez, Lorenzo, Rossi e Pedrosa -, e que nos 95 GPs sucessivos, até os dias atuais, nada menos que 18 pilotos diferentes pisaram no degrau mais alto do pódio, muitos deles pela primeira vez em suas carreiras.

Outro fato interessante apontado pelo colega é que, no tal período de 2013 a 2016, somente os pilotos das equipes oficiais da Honda e Yamaha ganharam, enquanto no período sucessivo pilotos das chamadas "equipes satélite", que competem com motos menos evoluídas, passaram a vencer também.

E daí? Daí que na análise do colega essa mudança do padrão tem motivos claros, na verdade escuros, pretos, redondos e com buracos no meio: os pneus. Em 2016 houve a troca de fornecedor de pneus para a MotoGP, saiu a japonesa Bridgestone, chegou a Michelin, francesa, e com ela um novo padrão construtivo que promove acaloradas discussões, e muita polêmica entre pilotos e equipes.

Um dos descontentes é Valentino Rossi, piloto da Yamaha, que diz jamais ter se entendido com os pneus Michelin. Já seu colega de marca, Fabio Quartararo, que está prestes a se tornar campeão mundial desta temporada com a mesmíssima Yamaha que Rossi pilota, venceu cinco Grande Prêmios este ano e três na temporada passada, sempre de Michelin. Isso faria crer que ele interpreta melhor as características destes pneus franceses (como ele...), e que o jovem Quartararo, ao contrário do velho Rossi, não teria ressalvas ante os borrachudos, correto?

Mais um menos. A parte de ser melhor intérprete das características de tais pneus, OK, já quanto às ressalvas... não! Na verdade, não há nenhum piloto da MotoGP atual que não tenha sofrido com os atuais pneus em algum momento, e são muitos os que apontam o dedo para o fabricante francês, acusando-o de oferecer um produto inconstante, extremo, sempre no fio da navalha em termos de performance.

São vários os relatos de brutal queda no rendimento durante as corridas, de gente que larga na ponta e lidera toda a corrida para, de repente, ceder a posição nas voltas finais, afundando até o 6º, 7º ou o 8º lugar. Aliás, como aconteceu com o próprio Quartararo na etapa de Aragon deste ano, quando largou da primeira fila e acabou lá atrás sem entender por qual razão os pneus - que funcionavam tão bem nos treinos na corrida - deram "tilt" na corrida.

Esses altos e baixos que todos os pilotos enfrentam nas últimas temporadas tem uma explicação, e quem a dá é o italiano Piero Taramasso, responsável pela Michelin na MotoGP. Ele de cara descarta o que muitos alegam: pneus ruins, defeituosos, em um mesmo lote.

Segundo ele, as características dos pneus Michelin desenvolvidos para a MotoGP são especiais, e todas as equipes são informadas sobre como deve ser a gestão para que a performance seja a ideal. Como aquecer os pneus, qual a pressão ideal e outros dados. Porém, segundo Taramasso, muitas vezes tais regras são descumpridas, e isso faz com que os pneus funcionem mal, ou literalmente não funcionem. Para isso bastaria, de acordo com o técnico da Michelin, que na volta de apresentação o piloto não rodasse em ritmo adequado para manter a temperatura ideal, o que faria o pneu perder suas melhores características.

Sério? Tão delicado assim, crítico? Pelo jeito, sim. Eu particularmente duvido que uma marca como a Michelin leve pneus defeituosos para a pista. A questão envolve segurança e seu poderoso nome, sua imagem de fabricante "top". É claro que, mesmo sendo pneus especialíssimos, todos são fruto de um processo industrial que pode, às vezes, apresentar uma falha, o que é raro. De fato, acredito mesmo que o extremo nível de competitividade exigido na MotoGP levou à realização de pneus muito sensíveis. Uma faca de dois gumes: oferecem performance espetacular, mas exigem gestão precisa, peculiar. Enfim, são "geniosos", o que não é nada bom.

Moral da história? É bem possível que por trás da mudança de padrão ocorrida de 2016 para cá, na qual passamos a ter muitos vencedores com muitas marcas de motos diferentes, estejam mesmo os pneus. Por serem tão sensíveis embaralharam as cartas da MotoGP de um jeito que jamais havia acontecido, dando chance aos pilotos mais novos e ousados se destacarem, e penalizando os mais experientes e/ou acostumados com outro padrão de rendimento.

Isso não é bom nem ruim, mas a verdade é que hoje em dia, na MotoGP, se fala demais de pneus, e não de maneira muito positiva, o que indica que talvez algo tenha que mudar nos pneus atuais. O componente é fundamental, mas não pode e nem deve ser o fiel da balança de um campeonato tão importante quanto o Mundial da MotoGP.