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Kelly Fernandes

Mobilidade com menos individualismo: o futuro não é algo que se vive só

Eduardo Knapp/Folhapress
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Colunista do UOL

17/07/2020 04h00

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Feche os olhos e imagine o futuro por 15 segundos. Como é algo que está por vir, é quase impossível que você tenha pensado exatamente o mesmo que outra pessoa, mesmo ambos recebendo essa provocação.

Mas, quando o assunto é mobilidade urbana, é muito comum acreditar que o futuro virá sobre quatro ou duas rodas ou, para mentes mais ousadas, por hélices que elevam os veículos às alturas. Mas, como o presente anuncia o futuro, essa visão não leva em consideração a realidade da população brasileira.

Exemplo disso é o relatório elaborado pelo Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), que indica que 64,3% da frota brasileira de veículos está concentrada em cinco estados, todos no Sudeste e Sul do país.

Só no estado de São Paulo está 30% da frota, que, em sua maioria, está na Região Metropolitana, onde reside quase metade da população. Mas, apesar do grande número de veículos, segundo a Pesquisa Origem e Destino do Metrô de São Paulo (2017) apenas 31% das pessoas utilizam carros, motos ou táxis para fazer seus deslocamentos. Assim, todas as demais, 69%, usam o transporte a pé, por bicicleta, ônibus, metrô ou trem para alcançar seus destinos.

Essa frota, além de grande em números, possui idade média de de 9,7 anos, ainda segundo dados do Sindipeças, que alega que a idade média dos carros e motos só aumenta.

A combinação de milhares de carros em circulação e aumento da idade dos veículos, além de tornar banal o ideal de um futuro povoado por carros, pode tornar este um lugar incerto, principalmente por conta da poluição atmosférica, que não é só aquela que sai do escapamento, mas também o material particulado gerado pelo desgaste dos pneus e do freio, que ocasionam em danos diários e crescentes à saúde humana e ao meio ambiente.

Ainda quando o assunto é futuro da mobilidade, além de pensar qual meio de transporte combina mais com cada expectativa, normalmente usamos adjetivos como recurso. Pessoas mais otimistas podem usar palavras como inteligente, eficiente, veloz ou eficaz.

Mas, antes de pensar em qual palavra expressa melhor nossa expectativa, talvez seja mais importante discutir sobre quais bases esse futuro será construído, o que pode nos levar além do nosso otimismo ou, eventual, pessimismo. Afinal, o futuro não é algo que se vive só, portanto é preciso romper barreiras individuais e confiar menos em discursos e grandes soluções, principalmente as puramente tecnológicas, que prometem nos levar para algo melhor, sem necessariamente serem possíveis para toda a sociedade.

Se é importante que as visões de futuro sejam menos individualistas, também é fundamental definir quais vozes vão acompanhá-las, ou seja, darão o tom da conversa.

Consultando rapidamente a memória ou usando ferramentas digitais é fácil conferir o quanto essas vozes são sempre iguais, isto é homogêneas demais para o contexto de uma população que é negra, indígena, feminina, LGBT, jovem e etc. Ou mesmo vive no campo e em outras regiões do país. Estas vozes, quando não apagadas, têm capturados os saberes e vivência que carregam, por vezes reinventadas e comercializadas, o que gera a falsa impressão de mudança e pluralidade.

Por fim, sabendo da ansiedade de pensar o futuro, visto o momento crítico que vivemos, olhar para o que somos hoje é fundamental para construir algo com legitimidade, portanto aderente à vida.

Mas, se ainda assim for necessário algo mais, vale olhar para outras cidades como Bogotá e Buenos Aires, onde foram expandidos os espaços de circulação de pedestres e ciclistas, para países como os Estados Unidos, que aumentou o financiamento para o transporte coletivo, ou a França, que por meio de subsídios financeiros está estimulando o uso de bicicletas.