Topo

Kelly Fernandes

Mais consciência e menos inocência na hora de escolher meio de transporte

Flávio Florido/UOL
Imagem: Flávio Florido/UOL

Colunista do UOL

10/07/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Fazer escolhas conscientes pode parecer uma tarefa fácil, mas não é. Todos os dias tomamos inúmeras decisões, parte delas pode ocasionar em impactos sociais e ambientais que, se negativos, podem virar problemas no futuro, individuais e para toda a sociedade.

Portanto, ao decidirmos qual meio de transporte utilizar para ir até o trabalho, a faculdade ou a casa de um familiar, estamos fazendo algo mais do que só optar por ir de carro ou a pé.

Mas, dificilmente, nos confrontamos com os porquês dessa decisão ou com as consequências dela, só que isso não significa que elas deixam de existir. Por exemplo, quando consultamos dados sobre poluição do ar produzida pelo setor de transporte, carros e motos são os maiores poluidores. Assim, ocupam mais espaço quando circulam ou estão estacionados nas ruas, que, por mais que às vezes não pareçam, são públicas - além de serem o lugar onde morrem inúmeras pessoas anualmente, vítimas de atropelamentos.

Talvez, saber dessa informação, faça com que parcela das pessoas se sinta mais desconfortável quando tirar novamente o carro da garagem, ou mesmo fazê-las considerar mudar o meio de deslocamento que utilizam e olhar a mobilidade a pé, de bicicleta e de ônibus com outros olhos. Outras podem considerar essa informação pouco relevante, porque já sabiam, ou mesmo porque não a consideram algo que deve motivar mudanças na rotina.

No entanto, para não cairmos no erro de achar que escolher a forma como vamos nos deslocar na cidade é tão simples assim, é preciso lembrar que nossas escolhas são frequentemente induzidas, e com mobilidade urbana não podia ser diferente. A exemplo, por propagandas, como aquelas que passam no intervalo da novela, que relacionam dirigir com poder aquisitivo, juventude e liberdade, fazendo com que pessoas que embarcam nessa história, acreditem que vão acessar todas essas oportunidades a partir da compra de um veículo.

Até aqui, falamos da importância de decisões conscientes e escolhas induzidas, mas agora chegamos em outro ponto importante que é: decisões condicionadas. Para discutir isso é importante falar sobre disponibilidade de oferta, que nada mais é do que a presença ou não de linhas de ônibus, metrô, calçadas e ciclovias, ou seja infraestrutura de transporte. Nesse sentido, o poder público é uma peça chave, porque é por meio dele, mais precisamente por conta dos investimentos que realiza, que essas infraestruturas são implantadas.

Na ausência delas, a escolha deixa de ser uma possibilidade, na medida em que outras opções tornam-se desvantajosas ou inviáveis. Para perceber isso, basta prestar mais atenção na infraestrutura de transporte ao redor, por exemplo calçadas estreitas e com desníveis contrastando com espaço de circulação largos e contínuos destinados exclusivamente aos carros e às motos, são exemplos de indícios do que está sendo priorizado.

No Brasil, essa diferença é a maior responsável pelo tamanho da crise que vivemos. Agora, agravada pela crise sanitária, na qual montadoras de automóveis, historicamente beneficiadas por isenções tributárias, aguardam ansiosas o aumento da venda de veículos, enquanto milhares de pessoas embarcam tenebrosas em ônibus fornecidos em número insuficiente e esbarram uma na outra quando deveriam andar afastadas.

Sempre é importante lembrar que boa parte delas não têm possibilidade de exercício do direito de escolha, pois outras condições as afetam, tal como a econômica.

Então, tomar decisões mais responsáveis e menos inocentes, a partir do reconhecimento de quais fatores as influenciam, para além de uma questão individual, é um ato de cidadania, e pode ser o princípio de mudanças sociais profundas.