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Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Crise dos chips: governo liquida única fábrica de semicondutores do país

Getty Images/iStock
Imagem: Getty Images/iStock

Colunista do UOL

18/06/2021 09h02

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Em meio a uma enorme crise global de escassez de semicondutores, que afeta a produção mundial de veículos, o governo brasileiro vem promovendo a liquidação do Ceitec, Centro Nacional de Tecnologia Avançada. Trata-se de uma estatal, criada em 2008, que abriga a única fábrica de semicondutores do Hemisfério Sul.

De acordo com o governo a empresa só dá prejuízo: mesmo com o repasse de R$ 600 milhões de 2010 a 2018 a Ceitec acumulou perdas na ordem de R$ 160 milhões. O portal Metrópoles apurou que há projeção de equilíbrio econômico em 2025, em uma estimativa otimista, ou 2029, no cenário mais pessimista. Mesmo com um plano de recuperação em curso e a alta demanda global, em fevereiro o governo decidiu pela sua liquidação, que ocorrerá em até doze meses.

Não há produção de chips que alimentem a indústria automotiva em Porto Alegre (RS), onde a Ceitec está sediada. A empresa tem em seu portfólio o conhecido chip do boi, que automatiza o rastreamento do rebanho, e as etiquetas do sistema de pagamento de pedágio automático. Sua liquidação, porém, é mais um capítulo dramático daquilo que entidades científicas vêm chamando de apagão do setor tecnológico brasileiro.

Este apagão coloca em risco o conhecimento científico nacional - os engenheiros que trabalham na Ceitec só encontrarão recolocação fora do País, se não se tornarem motoristas de aplicativos ou partirem para outra carreira. Vai contra o que pensa, e defende, o setor industrial e os próprios executivos brasileiros, que buscam fortalecer a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação produzidos aqui.

No último encontro com a imprensa, no início de junho, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, propôs exatamente o oposto: que o Brasil invista na produção de semicondutores e tenha papel relevante neste fornecimento global.

"São componentes usados por diversas indústrias, como a automotiva, de eletroeletrônicos, telefonia, bens de capital etc. A tendência é que sejam cada vez mais demandados e uma produção local é estratégica, podendo até ser plataforma de exportação. É uma indústria que agrega, e muito, em pesquisa e desenvolvimento ao País."

O governo toma a direção contrária. O fechamento de uma fábrica de semicondutores, que é o caminho natural para o desenvolvimento industrial no futuro, é apenas um exemplo: não há política industrial definida, ainda que, no caso do automotivo, exista a herança do Rota 2030 e a disposição de criar uma nova etapa na política setorial, um oásis na área industrial nacional.

Não há preocupação com os empregos que a indústria gera. As reformas não caminham a passos largos, em alguns casos andam para trás, e há o sucateamento e fechamento de importantes centros científicos. As boas cabeças estão buscando recolocação em outro país.

Nesta semana divulgamos os finalistas do Prêmio AutoData, que todo ano reconhece os melhores cases da indústria automotiva nacional. Cinquenta empresas foram premiadas, com históricos que vão de inovação tecnológica a iniciativas de sustentabilidade, todas geradas por cabeças brasileiras.

É histórica a contribuição que a indústria automotiva dá à inovação e geração de patentes no Brasil. Mas parece que não encontra respaldo no governo que assistiu, inerte, à Ford ir embora do País. E dá todas as ferramentas para que outras sigam a mesma estrada.

Quase 1 mil. O Chevrolet Onix, automóvel que foi o mais vendido no Brasil nos últimos seis anos, traz quase 1 mil semicondutores em cada unidade produzida. Sua fábrica em Gravataí, RS, está sem produzir desde março por causa da crise global.

Parou. A Volkswagen prolongou a parada de São José dos Pinhais, PR, por mais dez dias. A ela se juntam a unidade de São Bernardo do Campo e São Carlos, SP. O motivo? Falta de semicondutores. Taubaté, que ficou dez dias parada, volta a operar.

Teimosia. Ainda existem aqueles insistentes em investir e criar novas soluções e tecnologias. A Nissan agora parte para uma nova etapa do desenvolvimento do veículo movido a célula de combustível de etanol: o objetivo é reduzir o tamanho do sistema e torná-lo comercialmente viável.

Oportunidade. Esta tecnologia é vista, dentro da companhia japonesa, como uma solução altamente promissora. Pode proporcionar também grande salto para o Brasil na questão da produção e fornecimento do etanol e sistemas, exportando essa tecnologia como alternativa para eliminar emissões. Difícil é acreditar que uma política pública seja criada para ajudar a empurrar esse bonde.

* Colaboraram André Barros e Vicente Alessi, filho