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Montadoras entram em batalha por adiamento das novas leis de emissões

Renato Stockler/Folhapress
Imagem: Renato Stockler/Folhapress

Colunista do UOL*

21/08/2020 04h00

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A força e a influência da indústria automotiva junto aos governos sempre foi motivo de polêmicas e, de certa forma, inveja de outros setores. Com barreiras tarifárias, incentivos nos momentos difíceis, postergação de regulação de segurança e emissões os governos, em um passado não tão distante, davam um jeito de atender os pleitos das montadoras.

Na mesa de negociações o setor industrial, principalmente o automotivo, sempre joga sua relevante contribuição na geração de empregos e de impostos para, digamos, sensibilizar os gestores da ocasião.

Mas essa tática parece que não está mais surtindo o efeito desejado. Desde o começo da pandemia foram sucessivas as negativas aos pleitos mais importantes da Anfavea, a associação das montadoras. Nem linhas de crédito com juros mais baixos por meio do BNDES as montadoras conseguiram no momento de maior desespero, quando o dinheiro parou de entrar por causa do isolamento social e os compromissos financeiros vencidos continuavam asfixiando o fluxo de caixa.

As operações nacionais das montadoras assistem a governos, como os da Espanha, Alemanha e China, criarem mecanismos robustos para ajudar o setor automotivo enquanto, aqui, a solução encontrada foi o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego, a MP 936. Não que fosse uma medida ruim: ajudou a segurar os postos de trabalho enquanto o País atravessava as incertezas dos primeiros meses da pandemia e até pode colaborar para reduzir as inevitáveis demissões nos próximos meses, se o mercado reagir.

Com a ociosidade da produção em alta e a queda de vendas de 30% a 40% sobre o desempenho do ano passado este é um desafio que já passou da teoria para a prática: a Nissan demitiu, a Caoa Chery demitiu, a Renault tentou demitir, recuou e abriu PDV, a GM tenta adotar programas de demissão voluntária e a Volkswagen já negocia com os sindicatos alternativas para o excedente de mão de obra. Este é um problema ainda sem solução e o seu fim pode não ser dos mais felizes para milhares de brasileiros.

Mas há outro front no qual a Anfavea, por enquanto, perdeu o primeiro round e que envolve um componente ainda mais difícil de se abordar em tempos de pandemia: a saúde dos consumidores.

Alegando falta de recursos por causa da pandemia para dar continuidade aos investimentos e cumprir o cronograma do Proconve, Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, as montadoras solicitam que seja adiada para 2025 a obrigatoriedade de tecnologias que melhorem as emissões dos veículos zero quilômetro.

Não seria o primeiro retrocesso nas etapas para reduzir as emissões dos veículos no Brasil. E mesmo que a relevante contribuição nesses 40 anos do Proconve tenha levado a indústria a investir pesado para tornar os produtos mais eficientes e menos poluentes, outros velhos obstáculos se colocam neste impasse que envolve montadoras, órgãos reguladores e opinião pública.

As ineficiências típicas do Brasil como a falta de diretriz para um programa de inspeção veicular nacional que administre de forma eficiente as emissões, penalizando os mais poluidores, ou até políticas de incentivos para promover uma renovação da frota circulante, são desafios que há anos a indústria e os governos deveriam levar mais a sério, pois trariam inegáveis benefícios para a sociedade, para o consumidor.

E, neste momento muito particular da história em que os afazeres do governo atual são para, como se diz, passar a boiada nos regramentos para o meio ambiente, a Anfavea dizer que seria inteligente recuar um passo para sobreviver não soou bem aos ouvidos da audiência.

O primeiro a manifestar sua posição foi o Ministério Púbico Federal, que encaminhou ao ministro do Meio Ambiente pedido para manter em 2023 a obrigatoriedade dos veículos comerciais cumprirem a norma P8 e os automóveis a norma L7 do Proconve.

Por mais que os pedidos para o adiamento do Proconve sejam bem razoáveis o perigo é que, para a opinião pública, as montadoras passem de vítima da pandemia a vilãs.

Falta din-din. Antes de o MPF recomendar ao ministro do Meio Ambiente a manutenção dos prazos para os Proconve P8 e L7 a Anfavea manteve conversas com a Casa Civil e com o Ministério da Economia. A entidade argumentou que seriam necessários ao menos R$ 12 bilhões em investimentos no Proconve e que esse dinheiro nem existe, porque sumiram dos cofres das empresas de R$ 60 a R$ 80 bilhões que não foram faturados durante os períodos mais críticos da pandemia até agora.

No1. A atenção do consumidor para temas relacionados ao meio ambiente tem se amplificado na pandemia. E os sinais estão no ar e nos céus dos grandes centros urbanos. As mídias sociais captaram em imagens e vídeos a rápida redução da poluição atmosférica. Contra os fatos não há argumentos.

2,5 mil/ano. A Folha de S. Paulo teve acesso ao documento do MPF enviado ao ministro do Meio Ambiente. Nele o MPF demonstra preocupação com o futuro do Proconve e afirma que a cada ano de atraso do programa e de novos padrões de controle de emissões pode haver 2,5 mil mortes prematuras neste período decorrentes de alguma enfermidade relacionada à poluição por veículos automotores.

Não acabou. AutoData está acompanhando de perto o desenvolvimento deste tema e em nosso site já publicamos um extenso conteúdo que explica os pormenores sobre o impacto na cadeia automotiva da sugestão da Anfavea ao governo para o adiamento do Proconve.

*Colaboraram: André Barros, Bruno de Oliveira e Caio Bednarski