40 anos de axé music: a ascensão, a queda e a chegada a 2025 com festa

Quando Luiz Caldas lançou a música "Fricote", em 1985, presente no LP "Magia", o cantor baiano não imaginava que alcançaria sucesso nacional, muito menos seria considerado o precursor do axé music. Uma das expressões artísticas mais marcantes do Carnaval e da cultura brasileira completa 40 anos em 2025.

Nos anos 1990 e 2000, nomes como Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Margareth Menezes, além de bandas como Chiclete com Banana, É o Tchan, Asa de Águia, Banda Eva e Babado Novo ajudaram a firmar o axé nacionalmente, transformando o movimento em um fenômeno comercial que rompeu as fronteiras da Bahia.

Entre altos e baixos, o movimento chega aos 40 anos e ganha até uma data comemorativa para chamar de sua. A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que institui o Dia Nacional da Axé Music em 17 de fevereiro.

Em conversa com o UOL, o jornalista e pesquisador James Martins* analisa a trajetória da axé music e determina quatro pontos centrais para entender o legado desse movimento.

"Fricote", de Luiz Caldas, 1985

Capa do LP 'Magia', marco zero do axé
Capa do LP 'Magia', marco zero do axé Imagem: Reprodução

"Fricote", de 1985, marca o início mercadológico do axé ao fundir frevo, ijexá e ritmos afro-brasileiros. A faixa alcançou sucesso nacional, no entanto, a movimentação da música carnavalesca de Salvador começou antes disso. Desde os anos 1970, os trios elétricos já eram populares, mas até então, predominantemente instrumentais. Foi no início dos anos 80 que as vozes passaram a protagonizar os trios, criando um ambiente de cultura pop.

Antes mesmo de 1985, nomes como Chiclete com Banana, Luiz Caldas, Sarajane e Banda Reflexu's já faziam sucesso na Bahia e chegavam a marca de milhares de discos vendidos, consolidando uma cena local musical e midiática — com o trabalho da Rádio e TV Itapuã — entre a Bahia e Sergipe.

O marco de 85 simboliza o momento em que o axé rompeu fronteiras. "A gente está comemorando o reconhecimento nacional desta música do Carnaval de Salvador e a entrada disso na indústria fonográfica e no mercado dos shows. É isso que marca o nascimento do axé music", afirma James.

Continua após a publicidade

E como surge o termo axé music? Em 1987, foi cunhado inicialmente de forma jocosa por um jornalista, em alusão ao termo "world music", criado no mesmo ano pelos ingleses. A palavra "axé", oriunda do iorubá, está profundamente ligada à cultura afro-baiana e ao candomblé.

É uma sacanagem de um jornalista que queria debochar desses artistas que vinham surgindo. É interessante que ele tenha escolhido o título Axé. Por mais que pareça algo frívolo e feito para para estourar a cada verão e ser descartado, ele tem uma base ancestral, até mesmo religiosa que o dá um alcance mais profundo. A presença do tambor na música brasileira nunca esteve tão evidente quanto no reinado do Axé Music. É um dos méritos que o movimento tem. James Martins

Bell Marques em despedida do Chiclete com Banana em 2014
Bell Marques em despedida do Chiclete com Banana em 2014 Imagem: Caio Duran / AgNews

Daniela Mercury no MASP, 1992

Na década de 90, o axé ampliou sua popularidade, com um aumento no número de bandas baianas ganhando espaço nacional e internacional. Esse período marca, além do alcance massivo, uma mudança na percepção do gênero, que começa a conquistar certa respeitabilidade.

Um marco foi a apresentação de Daniela Mercury no MASP, em São Paulo, em 1992, com "O Canto da Cidade!. Ela levou o axé para o sudeste, unindo performance sofisticada e técnica apurada em seus shows, o que ajudou a elevar o axé a outro patamar. Posteriormente, os álbuns "Música de Rua" e "Feijão com Arroz" (1996) foram sucesso tanto de público quanto de crítica, consolidando a artista e o próprio gênero.

Continua após a publicidade

Daniela defende que o axé é o movimento de massa de mais amplitude, dimensão e popularidade desde Luiz Gonzaga nos anos 1940. "Equivale àquele movimento que chegou de norte a sul do país e ficou para sempre na música popular brasileira.

Não tem como escapulir dos tambores do Olodum, da influência do Ilê, da influência do samba, dos pagodes, das letras e melodias. A gente fez uma música brasileira e uma música do mundo também. Daniela Mercury ao UOL

Daniela Mercury durante show no MASP, em 1992
Daniela Mercury durante show no MASP, em 1992 Imagem: Arquivo

Ela também celebra ter ajudado a popularizar o axé dentro e fora do país, mas deixa claro: a construção da história da música baiana é coletiva. "Por mais que eu tenha uma trajetória importante, que tenha trabalhado muito, tenha ido para 700 shows fora do país, aberto fronteiras e feito o axé ser internacional e nacional, a gente só fez um gênero porque muitos fizeram repertórios que estão presentes na cultura do Brasil e que influenciam todas as gerações."

O axé também ganhou projeção internacional, como a gravação de Paul Simon com o Olodum em 1990, seguida pela apresentação do grupo no Madison Square Garden em 1993. Michael Jackson gravou o clipe de "They Don't Care About Us", em Salvador, e Daniela Mercury estrelou um comercial da Cerveja Antarctica ao lado de Ray Charles.

A mídia também foi um motor essencial para a difusão do axé. Além do Programa do Chacrinha nos 1980, na década seguinte, tivemos Xuxa e seu "Xou" — a própria apresentadora gravou músicas do gênero, como "Ilariê", composta por Cid Guerreiro, tornando-se um sucesso no Brasil e na América Latina. O grupo É o Tchan também se tornou figura presente nos programas de auditório na virada do século.

Continua após a publicidade

"O Movimento", do Olodum, 1993

O pesquisador também destaca que a influência afro é evidente desde a gênese do axé. Paulinho Camafeu, um dos compositores de "Fricote", também foi responsável, anos antes, pela música "Que Bloco é Esse?", que lançou o primeiro bloco afro, o Ilê Aiyê. A mesma clave que embala a canção do Ilê ressoa em Fricote, comprovando que o axé nasce de raízes culturais e religiosas da Bahia. Os blocos afro não estão dissociados desse movimento — pelo contrário, há uma interligação profunda entre eles, argumenta James.

Mas um disco foi fundamental para que os blocos afros realmente estivessem nos holofotes, o LP "O Movimento", do Olodum. "Até então, os blocos afros forneciam a matéria-prima, as composições para as bandas de axé darem roupagem pop. Um exemplo é a Banda Mel gravando "Faraó", mas a música é do Olodum. Eles perceberam isso e decidiram incluir instrumentos harmônicos — contrabaixos, teclados e guitarras — e vieram com as suas próprias gravações para as rádios e TVs, entrando de vez no mundo pop. Se tornou um bloco afro pop".

Abertura do quadragésimo desfile carnavalesco do Olodum em 2020
Abertura do quadragésimo desfile carnavalesco do Olodum em 2020 Imagem: Aurélio Nunes/UOL

Blocos afros passaram a puxar seus trios e até passaram a ganhar o título de música do Carnaval. O disco produziu a música eleita em 1994, "Requebra", que concorria com Daniela Mercury, Chiclete com Banana, Banda Eva e outras.

Continua após a publicidade

Tatau, ex-vocalista da Banda Ara Ketu, defende que "os blocos afros têm um valor cultural muito grande para a gente". "O Ilê Aiyê, o Olodum, o Muzenza, o próprio Ara Ketu... São eles que vão contar a nossa história, a história da África preta brasileira. Quem quer conhecer histórias [da Bahia] tem que ir atrás dos blocos afros."

Quando o axé fez 20 anos, todos se perguntaram: o que vem agora? Vieram mais 20. Estamos nos 40 anos do axé. Tem uma galera mais nova e tem quem vem desde lá detrás. Tatau ao UOL

Tatau durante show no Universo Spanta 2025; festival teve line-up em homenagem ao axé music
Tatau durante show no Universo Spanta 2025; festival teve line-up em homenagem ao axé music Imagem: Ruano Carneiro/Divulgação

"Toda Boa", de Psirico, 2008

Nos anos 2000, o axé viveu um momento de transição. Apesar de começar a década em alta, o gênero passou a enfrentar a ascensão do sertanejo universitário, que adotou elementos percussivos inspirados na Bahia e ocupou um espaço crescente nas festas populares, segundo James. A partir daí, o axé demonstrou sinais de desgaste, lançando menos hits que se eternizavam, ao contrário das décadas anteriores.

A chegada dos anos 2000 também foi marcada pela ascensão do pagodão baiano, com Psirico à frente de hits como "Toda Boa" (2008) — primeira faixa de pagodão a ser eleita como música do Carnaval. O ritmo, uma vertente mais pesada e percussiva, ganhou os alto-falantes das praias e as caixas de som da periferia, dividindo a popularidade com o sertanejo universitário e o arrocha.

Continua após a publicidade

Também fez os medalhões da axé music se renderem. Apesar de não ser axé music como conhecemos nos anos 1980, nomes como Ivete Sangalo e Daniela Mercury já apostaram no ritmo. Para o Carnaval de 2024, "Macetando", parceria de Veveta com Ludmilla, foi um pagodão. Em 2025, Daniela chamou Rachel Reis para o pagodão "Meu Corpo Treme".

Psirico, comandado por Márcio Victor, durante o Carnaval 2017
Psirico, comandado por Márcio Victor, durante o Carnaval 2017 Imagem: Pablicio Vieira/Afpontes/Divulgação

E o axé hoje?

O axé completa 40 anos desde o seu marco mercadológico inicial. Ganha programas especiais na TV e destaque em festivais Brasil afora. Até as paginas de fofoca deram destaque ao axé ou, pelo menos, a polêmica que abriu o ano: Claudia Leitte versus Ivete Sangalo.

Bell Marques acredita que a festa dos 40 anos joga os holofotes sobre o ritmo, além de resgatar artistas do passado.

Isso é muito bom. Quanto mais pessoas cantando a nossa música, é legal. E pessoas que, por qualquer motivo deixaram de cantar, hoje, acham que devem voltar. Vários artistas de peso mesmo vão continuar contribuindo muito com o que construímos. Bell Marques ao UOL

Continua após a publicidade
Ivete Sangalo e Margareth Menezes lançaram música para o Carnaval 2025
Ivete Sangalo e Margareth Menezes lançaram música para o Carnaval 2025 Imagem: Divulgação

Apesar da celebração, o axé enfrenta um desafio: a ausência de novos nomes que consigam movimentar multidões nos trios elétricos, aponta James. A cena atual é dominada por medalhões como Ivete Sangalo, Bell Marques, Claudia Leitte e Daniela Mercury — todos veteranos dos anos 1990 e 2000.

James reforça ainda que atualmente há uma linha tênue entre o axé, o pagodão e a nova MPB baiana. Ele cita Rachel Reis como exemplo da nova cena baiana, mesclando diferentes ritmos, como arrocha e pagodão. Também cita Baiana System, banda de afro rock que arrasta multidões no trio elétrico, e Àttooxxá, banda que surgiu dentro da música eletrônica.

Rachel Reis, BaianaSystem e ÀTTØØXXÁ são consideradas novas vozes da música baiana
Rachel Reis, BaianaSystem e ÀTTØØXXÁ são consideradas novas vozes da música baiana Imagem: Divulgação / Jorge Porci / Pedro Garcia

É uma quebra de barreiras, acredita o pesquisador. "Quebra de um preconceito bobo da parte dos artistas da MPB e maior abertura por parte do axé, que foi perdendo hegemonia e foi precisando se alimentar de outras manifestações. Isso é interessante. Essa pode ser a tônica do futuro, que a pessoa não precise mais se classificar como axé, mas o que ela faz está, de alguma forma, mantendo vivo o legado dessa tradição carnavalesca que tem 40 anos agora".

O músico Letieres Leite fala: 'o fogo estava muito alto, hoje está mais brando, mas a chama continua'. E, de fato, a morte do Axé já foi decretada inúmeras vezes. Tenho recortes de jornal dos anos 80 dizendo: "Acabou, o Axé já acabou". E agora estamos comemorando 40 anos. James Martins

Continua após a publicidade
James Martins é referência em pesquisa sobre axé music
James Martins é referência em pesquisa sobre axé music Imagem: Arquivo pessoal

*James Martins é poeta, jornalista e pesquisador. Fez pesquisa e roteiro para o filme "Axé - Canto do povo de um lugar" (2017).

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.