Roupa de oncinha e folia na delegacia: livro revela fatos dos blocos do RJ

A partir do primeiro final de semana de janeiro até o Carnaval, circular pelas ruas do Rio de Janeiro é esbarrar com um bloco. Antes de se perder em um cortejo qualquer, visitantes e moradores ganharam um aliado para entender o que é um bloco de carnaval. O livro "Os Blocos do carnaval carioca: o que são, o que dizem que são, o que podem ser e o que não são mais, pois já foram", de Tiago Ribeiro, é uma minuciosa investigação de uma prática centenária: colocar o bloco na rua.

"Os blocos de Carnaval, mesmo demonstrando sua importância para a cidade ao reunir mais de 6 milhões de foliões nas ruas, não tinham até hoje um registro de sua rica história. As pesquisas existentes, apesar de sua relevância, se restringiam a algum tipo característico de bloco, a um período histórico limitado ou se dedicavam a alguma agremiação específica. O grande mérito do livro é desbravar esse universo até então desconhecido", pontua o autor.

Desconhecido, pero no mucho. É que nesse período pré-Carnaval, não há um bloco sequer que fique vazio. Dos megablocos com cantores famosos às fanfarras modernas que anunciam seus locais de saída poucas horas antes, nas redes sociais e viralizam em grupos de mensagens. Assim como tem um sol para cada folião, no calor de mais de 40 graus que faz na cidade, há um tipo de bloco para cada estilo.

"Os blocos são mais livres para desfilar no estilo que desejarem, tocando o ritmo que desejarem, sugerindo o tipo de fantasia que desejarem. Eles não têm essa restrição de um regulamento [como as escolas de samba]", diz Tiago.

Livres, leves soltos e antenados

A cada final de semana surge um bloco novo no Rio de Janeiro. Como o "Braba igual à mãe", homenagem de um grupo de músicos-foliões uma semana após a conquista do Globo de Ouro pela atriz Fernanda Torres pela sua atuação no filme "Ainda estou aqui". Ou o "Omelete da Gracyanne", bloco que fez graça com a musa fitness e seu consumo de cerca de 40 ovos por dia e como ela vai se virar estando confinada na casa do Big Brother Brasil.

"Os blocos, desde sempre, são muito sintonizados com as transformações da moda, com as transformações do cotidiano. Eles estão sempre se reinventando. Sempre fazendo o humor com situações do dia a dia. Isso se traduz nos blocos factuais, que surgem para fazer troça com situações como a suposta teoria de traição do Piqué que traiu a Shakira. A partir disso, criaram o "Geleia da Shakira", uma piada sobre o assunto", explica ele.

A influência do cinema no Carnaval não é de hoje. Uma curiosidade contada no livro envolve o Bafo da Onça, que nos anos 1950 se aproveitou da moda da estampa de "oncinha", popularizada pela atriz americana Jayne Mansfield. Em 1958, o bloco saiu do Catumbi, próximo ao Centro do Rio, com 500 sambistas vestidos de onça e retornou com mais de mil pessoas, incluindo outras "oncinhas" que se juntaram ao cortejo pelo caminho.

Para o autor os blocos de rua são uma manifestação carnavalesca aberta e eles são muitos, múltiplos e que se apresentam de diferentes formas. Há as bandas de bairro, com as de Ipanema e da Barra da Tijuca, os desfiles dos cordões, onde reinam as marchinhas, como no Cordão da Bola Preta, os sambas autorais de blocos tradicionais como o Simpatia é Quase Amor e Suvaco do Cristo, os empolgantes blocos de embalo, como o Cacique de Ramos e o Bafo da Onça e os resilientes blocos de enredo, que mantêm viva a disputa pelo concurso oficial da categoria, entre eles o Cometas do Bispo e Canários de Laranjeiras.

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Foliões do Bafo da Onça em 1972
Foliões do Bafo da Onça em 1972 Imagem: Acervo do Arquivo Nacional

Segundo a Riotur, empresa pública de turismo a cidade do Rio de Janeiro, em 2024 os Blocos de Rua receberam mais de 6 milhões de foliões pelas ruas do Rio. Em 2025 a empresa tem 482 desfiles e cortejos aprovados em todas as regiões do município.

Na rua é que o povo se encontra. Mas no bloco do "O que eu vou dizer lá em casa?" a muvuca era na porta da Delegacia de Vigilância. Era a década de 60 e toda Quarta-feira de Cinzas, a unidade policial era palco de um "cortejo" de pessoas detidas durante o Carnaval — grande parte delas por mera embriaguez. A saída dos presos, muitos deles ainda fantasiados, era aguardada por curiosos e pelas lentes de fotógrafos e cinegrafistas.

Capa do livro de Tiago Ribeiro
Capa do livro de Tiago Ribeiro Imagem: Divulação

Um dos blocos mais antigos do Brasil, nem queria ser um bloco. O livro de Tiago revela que o Cordão da Bola Preta, considerado o mais antigo bloco de carnaval da cidade, criticava quem usava a rua para expressar sua alegria.

"O Bola Preta surge primeiro como um clube, ele nem saía às ruas, era um crítico do Carnaval de rua. Achei anúncios do Bola Preta nos primeiros anos falando: 'na rua só tem barulho, aqui tem música, aqui tem mulheres de champanhe'. Somente nos anos 1960 ele passou a ser reconhecido como um bloco de rua, abrindo oficialmente o carnaval carioca", diz Tiago.

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Folião e apaixonado pelo Carnaval, Tiago já colocava a festa no centro dos seus estudos. Em 2009, na primeira graduação que fez, o Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade teve como tema a análise da publicidade no Sambódromo, onde aproveitou para contar a história das Escolas de Samba do Carnaval Carioca. Depois o autor se formou em Jornalismo, em 2011, e hoje é mestre e doutor em Arte e Cultura Contemporânea pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Até a conclusão do livro, que é fruto da sua tese do doutorado, foram quatro anos e centenas de blocos visitados, curtidos, analisados, como num trabalho de campo, tal qual faz todo e qualquer pesquisador que se preze.

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