Enredo banto da Mangueira ganha documentário: 'Memória rica'

Perto de levar para a Avenida um enredo que resgata a história e a cultura dos povos bantos, "A Flor da Terra no Rio da Negritude: Entre Dores e Paixões", a Mangueira lança, nesta terça (18), um documentário que detalha todo o processo de pesquisa e criação do tema, destacando a importância de combater o apagamento histórico desses povos. A obra pode ser assistida no YouTube da escola, a partir das 12h.

A UOL, o carnavalesco Sidnei França explica que a ideia do trabalho surgiu a partir da fala de alguns pesquisadores e da vivência dos integrantes da escola para a construção do Carnaval deste ano da verde e rosa. "Colher esses depoimentos de maneira oficial também é uma forma de documentar essa memória tão rica que constrói o nosso enredo."

Logo no início de "Manifesto: O Rio é Banto - Mangueira 2025", produzido por Felipe Tinoco, Sthefanye Paz e Victor Amancio, Sidnei explica que o enredo foi inspirado no livro "A Flor da Terra", de Júlio César Medeiros, que aborda a predominância dos povos bantos entre os africanos escravizados que chegaram ao Rio de Janeiro, principalmente pelo Cais do Valongo.

"Nos debruçamos sobre essa historicidade até para entender e investigar o lastro histórico e a contribuição desses povos na construção identitária do Rio de Janeiro."

A pesquisa revelou que os bantos, originários de regiões como Congo, Angola e Moçambique, trouxeram consigo uma riqueza cultural que permeia até hoje a vida carioca, desde a culinária até a musicalidade.

"O enredo é didático. A gente aprende muito com ele. Coisas que nem eu sabia, como o fato de que o quiabo, a cuíca e até o angu são palavras e tradições bantos", diz na obra Tânia Bisteka, diretora de barracão.

O apagamento histórico e a resistência

A história dos bantos, no entanto, foi sistematicamente apagada ao longo dos séculos. "O Rio de Janeiro é a maior cidade afro-atlântica da história, mas isso foi apagado materialmente no século 19 e também nos livros didáticos", explica Mônica Lima, diretora-geral do Arquivo Nacional.

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O enredo da Mangueira surge, então, como uma forma de resgatar e celebrar essa herança, mostrando como os bantos influenciaram a formação da identidade carioca.

"O banto está presente na coreografia, na rítmica do samba, mas não foi cantado pelo samba. Os primeiros enredos sobre os bantos só apareceram no século 21", destaca Luiz Antônio Simas, historiador e pesquisador.

Sidnei, inclusive, endossa que a Mangueira pretende justamente promover uma luta contra o apagamento e o silenciamento da história dos povos bantos neste Carnaval.

"Para além do desfile em si, entendendo o papel das escolas de samba na sociedade, buscar outras linguagens para ampliar a voz desses povos e de seus descendentes, como fizemos nesse curta, tem tudo a ver com o nosso enredo."

A religiosidade e a cultura banto

A religiosidade também é um ponto central do enredo. A umbanda, por exemplo, é apontada como uma das heranças mais significativas dos bantos no Brasil. "A macumba carioca, que deu origem à umbanda, é fundamentalmente banto", explica Simas. "A devoção a São Jorge e São Sebastião, tão presentes na cultura da cidade, também é fruto dessa influência, com uma clara conexão com as divindades africanas."

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A comunidade da Mangueira, que já vive essa religiosidade, vê no enredo uma oportunidade de reconhecer e valorizar as raízes. "A gente já era banto sem saber. A gente já fazia tudo que era banto sem saber", comenta Rodrigo Alexandre, diretor musical.

O enredo, portanto, não apenas conta a história dos bantos, mas também reforça a identidade da própria Mangueira como um quilombo moderno, um espaço de resistência e acolhimento.

"Esse enredo é necessário. O Rio de Janeiro precisava conhecer mais sobre essa história", afirma Leon Teixeira, bailarino da comissão de frente.

"A Mangueira é um quilombo. A gente é resistência. A gente quer o nosso pertencimento de volta", conclui Taranta Neto, mestre de bateria.

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