Primeiro rei de bateria do Carnaval se aposenta, mas deixa legado no RJ

Após 20 anos à frente de baterias de escolas de samba, sendo 18 como rei da Qualidade Especial, da Acadêmicos do Tatuapé, Daniel Manzioni, 49, fará seu último desfile em 2025.
Reconhecido pelo Guinness Book Brasil como o primeiro rei da bateria do Carnaval brasileiro, ele deixa um legado ao abrir caminhos para outros homens no universo do samba.
Caso de Bruno Pinheiro, 39, esse ano debutando como rei da bateria da carioca Tradição. E do mineiro Wallace Guedes, 38, que já esteve no posto em Minas Gerais e esse ano estreia como muso da Acadêmicos de Niterói, na Marquês de Sapucaí, e ganha o status de rei da Lins Imperial, na Intendente Magalhães.
"Um rei precisa de sua rainha"
Manzioni conta que se encantou pelo Carnaval aos 6 anos. Aos 19, desfilou pela Mocidade Camisa Verde e Branco e nunca mais parou. Em 2005, foi coroado rei da bateria na Acadêmicos de São Paulo. Dois anos depois, assumiu o reinado no Tatuapé.
Ser pioneiro não foi fácil. Ele enfrentou preconceitos e teve que construir uma imagem masculina forte à frente da bateria. "Não tinha referência, então montei um personagem que explicasse meu papel", conta. Sobre rivalidade com rainhas de bateria, ele nega: "Um rei precisa de sua rainha. Nunca quis estar sozinho, mas para agregar."
A decisão de encerrar um ciclo
Após 30 anos na avenida, 18 deles como rei, Manzioni decidiu encerrar esse ciclo. A mudança para o interior de São Paulo junto com a mãe pesou na decisão, assim como a rotina profissional. Agora, ele quer se dedicar ao ateliê de artesanato e customização de roupas de orixás e retomar o canal dele no YouTube.
Eduardo Santos, presidente da Tatuapé, lamenta a saída. "Ele será sempre lembrado como o rei da bateria Qualidade Especial, o rei da Acadêmicos do Tatuapé."

"Sou resistência"
Na Série Ouro do Rio, Bruno Pinheiro assume o posto de rei da bateria da Tradição, desafiando estereótipos de gênero e abrindo portas para homens LGBTQIAPN+. Personal trainer e ex-muso da escola, ele recebeu o convite após substituir a rainha da bateria, que ficou presa nos EUA antes do desfile.
"Foi uma surpresa enorme", relembra. Ele destaca a resistência enfrentada. "Infelizmente, muitos não entendem a presença de um homem nesse posto. Mas meu apoio veio justamente de setores considerados mais conservadores, como a ala das baianas e a velha guarda."
Para Pinheiro, ocupar esse espaço vai além da diversão. "Sou resistência. Estou falando de um homem gay à frente de 300 ritmistas, majoritariamente héteros. Isso por si só já é político."
Ele também reflete sobre a diferença entre os papéis de rei e rainha. "A rainha é pressionada por padrões estéticos, já o rei causa estranhamento, e o novo assusta, incomoda. Mas há espaço para todos brilharem."
A presidente da agremiação, Raphaela Nascimento, endossa."Ter um homem à frente da nossa bateria é muito importante e quebra muitos paradigmas. Todos estão acostumados só a ver mulheres no posto. E a gente chega para quebrar isso e provar que, quem quiser, pode estar ali."

Wallace Guedes: de BH para brilhar como rei e muso no Carnaval do Rio
O Carnaval de 2025 será especial também para Wallace Guedes. O mineiro de Belo Horizonte faz sua estreia como muso da Acadêmicos de Niterói, na Marquês de Sapucaí, e assume o posto de rei da Lins Imperial, que desfila na Intendente Magalhães.
Enquanto atuava como passista, modelo e manequim, Guedes recebeu um convite para rei de bateria em 2018, na Imperavi de Ouros, e lá ficou no posto por cinco anos.
O pedido para atuar na Lins Imperial, ele se recorda, partiu do presidente da verde e rosa, Flávio Mello, em 2019. "Eu estava concorrendo a Rei Momo do Carnaval de Belo Horizonte e pedi um tempo para dar a resposta. Ganhei, mas não pude desfilar com a Lins Imperial."
No ano seguinte, o mesmo convite, mas Guedes entrega que não queria começar no Carnaval carioca diretamente num posto de tanta responsabilidade. E Mello sugeriu a posição de muso: "Assim comecei minha jornada na escola e me apaixonei."
Mello lembra que até chegar na escola havia ainda uma resistência a figuras masculinas em postos de destaque como muso e rei, mas assim que teve o "sim" de Guedes, ele assegura que a escola adotou uma postura eclética, versátil e irreverente.
"A gente conseguiu trazer musos e musas, reis de bateria e ele continua a estar conosco nesse cargo, e agora ele ocupa o cargo de rei da agremiação."
Estreia na Sapucaí
Nesse meio tempo, o assessor e amigo de Guedes o indicou para muso na Acadêmicos de Niterói também, ideia muito bem aceita por Amanda Palhares, diretora de Carnaval.
A UOL, ela lembra que a agremiação foi a primeira a colocar um rei de bateria sozinho na Série Ouro, em 2023. E que no último ano também tiveram um rei de bateria ao lado de uma rainha na Marquês de Sapucaí.
"No Carnaval tem espaço para todos brilharem, independentemente de gênero. Nossos desfiles sempre têm musos que também abrilhantam nossa passagem na Marquês de Sapucaí, e neste ano teremos outro muso também, além do Wallace."
"O Carnaval é para todos"
Apesar do reconhecimento, Guedes conta que já sofreu preconceito, não só pelo posto. "Por ser negro, homossexual e por ter sido morador de rua. Vivi isso na pele. Ainda hoje, vejo no olhar de algumas pessoas a discriminação por eu ocupar espaços que acham que não me pertencem. Mas o Carnaval é plural, é uma festa do povo. Isolo esses sentimentos negativos e foco em curtir e dar o meu melhor. Inspiro outras pessoas pretas e periféricas a conquistarem espaços. O Carnaval é para todos."
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