'Ensaios da Anitta' comprova boa mira da cantora para o gosto do mainstream
Na capa de "Ensaios da Anitta", álbum lançado nesta sexta-feira (6), a cantora aparece vestindo sete diferentes fantasias que usou nas suas festas pré-carnavalescas, ensaios pro seu bloco. Deixando de lado as críticas e memes que a arte despertou ao ser divulgada, pela simplicidade da colagem, saltam dali dois recados.
O primeiro é que o álbum é uma declarada peça da estratégia de marketing de seu projeto carnavalesco — inclusive pegou dele o nome do disco. O segundo é que a artista projeta ali a ideia de "muitas Anittas", o que se reflete na sonoridade que flerta com feminejo, pagodão e funk-rock. "Aquela miscelânea frenética", nas palavras da própria Anitta.
Faz sentido. O problema é que, ao observarmos a trajetória de Anitta, o conceito parece algo gasto. Antes de mergulhar numa investigação focada na história do funk com o ótimo "Funk Generation", lançado em abril deste ano, ela vinha de dois álbuns que exploravam exatamente a mesma ideia de multiplicidade. "Kisses", de 2019, trazia para cada faixa um clipe na qual a cantora encarnava uma versão de si — ora apaixonada, ora gangsta, ora rainha da putaria. "Versions of Me", de 2022, por sua vez, já revelava de cara suas intenções no título — "versões de mim", em português.
Conceito à parte, o que "Ensaios da Anitta" entrega é uma coleção de canções, cada uma um tiro pop no vasto alvo do gosto médio do mainstream. A cantora, que dá provas de sua boa mira desde quando surgiu com "Show das Poderosas", faz isso com a qualidade e a regularidade de costume. Algumas letras são mais espertas do que outras, assim como alguns arranjos conseguem ir um tanto além do apelo fácil das convenções do mercado — a "música de TikTok", o "hit de carnaval" etc. A média, no fim das contas, é boa.
"Ensaios da Anitta" traz 12 faixas, sendo que quatro delas serão liberadas para audição somente em janeiro — entre elas a regravação de "Proposta", lançada originalmente em 2012, ainda em sua fase Furacão 2000. "Lugar Perfeito" abre o disco com jeitão de trio elétrico, BPM ferveção, com Ivete Sangalo como convidada — "Nira, venha cá", convoca a baiana, brincando com a pronúncia em inglês do nome da internacionalizada Anitta. A letra imagina um amor de Carnaval numa Pasárgada da folia, paraíso onde "o ano só tinha fevereiro".
"Imagina", que tem participação de Rogerinho e de Hitmaker (produtor de nove das 11 faixas do disco), reduz a pressão e as batidas por minuto. A dinâmica do arranjo, que abre com o romantismo do teclado antes de dar espaço para uma clave lenta de pisadinha, tem valor. A letra, porém, não acompanha. "Não precisa dizer nada/ A bunda dela fala" são os primeiros versos, que desembocam no refrão pouco imaginativo, que não decola: "Se rebolando é assim/ Imagina fazendo amor".
"Perdeu", feminejo tocado em dueto com Simone Mendes, eleva um pouco a temperatura e consegue ser mais envolvente. Como é típico do subgênero, os versos são desaforos direcionados para o cara que vacilou com a mulher. Ela, por sua vez, agora que superou, "pra cada lágrima pegou um amigo teu".
Mais certeiro é o pagodão-funk "Sei que Tu Me Odeia", de versos sagazes de marra empoderada. Território visitado com frequência nas últimas duas décadas por cantoras de funk, sertanejo e da chamada nova MPB, o feminismo pelo esculacho gera bons momentos aqui, como o verso: "Eu tenho mil problemas/ Mas nenhum deles é não ser gostosa". MC Danny e Hitmaker são os convidados da faixa.
Feita sobre a base de "Alala", lançada em 2005 pela banda paulistana de electroclash Cansei de ser Sexy, "Chata pra Caralho" carrega um pouco do espírito das "melôs" do início da história do funk. Eram músicas feitas sobre sucessos estrangeiros, muitas delas versando com humor sobre um tipo de personagem presentes no cotidiano, exatamente como a faixa em questão. No fim das contas, é uma canção destinada ao "marque o @ daquela amiga".
"Capa de revista" é outra com referência bem marcada, no caso o álbum "Miami Rock 2000", do Defalla, que trazia o hit "Popozuda Rock'n'Roll". Ponto alto do disco, a faixa eleva o nível no já mencionado território do feminismo de esculacho: "Eu sou bonita/ Inteligente/ Eu sou formada/ E dou pra muita gente/ Eu sou gostosa/ E sou tua chefe/ Eu mando em tudo/ E sei pagar boquete". Além disso, foi um belo acerto retomar o encontro de miami bass e riffs de guitarra proposto por Edu K duas décadas atrás.
MC Livinho se junta a Anitta no funk-funk "Sem freio". A faixa não soa especialmente original, mas tem potencial de hit com sua letra que traz bons momentos que grudam no ouvido à primeira audição, como o "Catu-catu-catu-catucada" e "Hoje eu vou sentar sem freio/ Tô nem aí se é pra bonito ou pra feio/ O importante é quando encaixa direito".
A última das oito liberadas (e terceira que traz Hitmaker como feat.), "Maratona de Jogação" é outra que segue a cartilha da pista sem nenhum desejo de inventar a roda. Colagem de convocações da massa ao rebolado, tipo "Vai, bebê, joga o bundão", tem cara de música feita sob medida para os ensaios pré-Carnaval da cantora.
Num álbum chamado "Ensaios da Anitta", não dá pra dizer que ela tentou enganar ninguém. Até porque, afinal, o pop sugere esse desejo intrínseco de se deixar levar pelo ilusionismo da diva, do guitar hero, do bandleader — aquilo que Andy Warhol chamou certa vez de "gostar das coisas".
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