Sob os olhos do mundo, Marquês de Sapucaí completa 40 anos no Rio

Um livro a céu aberto. Assim pode ser definido o sambódromo do Rio de Janeiro. Há 40 anos, passam por lá as mais diferentes histórias contadas pelas Escolas de Samba em seus enredos. Com alegorias impressionantes, a festa ganha os olhos do mundo, todos os anos.

Como tudo começou

Os desfiles aconteciam em avenidas no centro da cidade do Rio de Janeiro até 1978. Chegaram à avenida Marquês de Sapucaí, mas não tinham uma estrutura fixa. O jornalista e pesquisador Aydano André Motta explica que a construção de um local exclusivo profissionalizou a festa.

Antes, o desfile era numa estrutura muito acanhada, provisória, montada e desmontada, ano a ano. Com o sambódromo, as escolas ganharam o seu endereço num território muito importante
Aydano André Motta

O pesquisador diz que a Passarela do Samba é um terreiro: "Isso porque está do lado da Praça Onze, onde Tia Ciata recebeu os sambistas e inaugurou essa saga carnavalesca, que é a melhor cara do Rio e do Brasil", explica ele.

Cria do morro da Mangueira, Evelyn Bastos é rainha de bateria da Verde e Rosa e faz coro com Aydano. Para ela, a Sapucaí é um lugar de exaltação da cultura das favelas e das agremiações.

Ter um palco para fazer brilhar esses artistas de favela, de subúrbio, é como se fosse um carinho especial e uma dose forte de valorização do samba e do povo do samba e também da história do samba
Evelyn Bastos

Avenida, Sapucaí, Templo do Samba, Altar do Samba? Os apelidos são muitos, mas o nome oficial do sambódromo é Passarela do Samba Professor Darcy Ribeiro. E não em vão. Então, vice-governador do estado do Rio de Janeiro, Darcy e Leonel Brizola, mandatário da época anunciaram as obras em setembro de 1983 e em 4 meses, foram concluídas. Oscar Niemeyer, amigo de Darcy, foi convidado para ser o arquiteto do projeto.

Do ponto de vista da gestão pública, ele encerrou um gasto que era crescente, galopante, no monte e desmonte das estruturas para os desfiles. [O Sambódromo] junto com a Cidade do Samba, permitiu também o crescimento desse espetáculo deslumbrante que acontece hoje e tem repercussão planetária
Aydano André Motta

Desfiles históricos

O final da década de 1980 e início da década de 1990, foi uma época de ouro do sambódromo. Foram narradas histórias que se eternizaram como grandes desfiles nesses 40 anos.

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Entre os desfiles que ficaram na memória dos brasileiros estão "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia", da Beija-flor, em 1989, o quase tricampeonato da Mocidade Independente de Padre Miguel, com "Vira, Virou, a Mocidade Chegou" (1990- campeã), "Chuê, Chuá, as Águas Vão Rolar (1991- campeã), "Sonhar Não Custa Nada, ou Quase Nada" (1992- vice-campeã) e "Peguei um Ita no Norte", do Salgueiro, campeão em 1993.

Para Neguinho da Beija-flor, no topo da lista está o desfile de 1989, "Ratos e Urubus": "Foi o desfile que marcou o Joãozinho Trinta como o gênio do Carnaval. O rei de todos os carnavalescos".

Tia Glorinha é responsável pela ala das baiana na Tijuca
Tia Glorinha é responsável pela ala das baiana na Tijuca Imagem: Arquivo pessoal

Tia Glorinha, responsável pela ala das baianas da Salgueiro, estava lá, em 1993. E conta como foi passar pela avenida com as arquibancadas inteiras cantando o samba-enredo que até hoje é lembrado do início ao fim, em ambientes diversos. "A minha maior alegria foi o enredo 'Peguei um Ita no Norte. Do samba 'Explode Coração'. Ali foi tudo de bom! Nós brincamos muito, nos divertimos muito, cantamos muito, e até hoje nós cantamos esse samba, em qualquer lugar que nós passamos esse samba é sempre lembrado", disse ela.

Pé quente, Tia Glorinha fez seu primeiro desfile em 1963. Em sua estreia, ainda sem a existência do sambódromo, a escola foi campeã com um enredo histórico sobre Xica da Silva. De lá para cá, o frio na barriga ao entra na avenida não mudou.

Eu não fico nervosa, fico tensa, passa um filme na minha cabeça, porque é uma responsabilidade muito grande. Agora tenho 80 baianas. Chego ali, faço minha oração agradecendo por ter chegado até ali vendo a minha escola bonita, vendo o povo todo aguardando a chegada da minha escola e das coirmãs. Isso me emociona muito, me seguro para não chorar, mas esse ano vai ser difícil segurar o choro
Tia Glorinha

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Festa em dobro

Com 20 anos de sambódromo, o comprador, Flávio Miguel desfila pela Mocidade Independente de Padre Miguel e em 2024, além de celebrar a criação do espaço, ele vai passar o seu aniversário, fazendo o que mais gosta: desfilando. Dia 12 de fevereiro, quando a escola da zona oeste abrir o segundo dia dos desfiles, Flávio vai fazer sua festa com o enredo "Pede Caju que dou... Pé de Caju que dá".

Flávio Miguel, da Mocidade Independente de Padre Miguel
Flávio Miguel, da Mocidade Independente de Padre Miguel Imagem: Arquivo pessoal

Para o folião, esse ano a celebração será especial: "Para mim é um presente dobrado, comemorar mais um ano de vida, mais um Carnaval. Uma das coisas que eu mais amo na vida é vestir meu verde branco e representar minha estrela-guia de Padre Miguel. Não preciso nem convidar ninguém, porque vai estar todo mundo lá se divertindo", conta ele que é diretor da ala Loucos de Paixão.

Quando os olhos do mundo se voltam para a avenida Marquês de Sapucaí. Flávio define o que é passar pela avenida naqueles minutos contando uma história em forma de enredo.

Quando você vê aquele clarão, aquelas luzes, você se torna a verdadeira estrela daquela festa.
Flávio Miguel

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