Ele cansou do mundo corporativo e criou coletivo de blocos de Carnaval
No Carnaval de São Paulo, os blocos Bicho Maluco Beleza, de Alceu Valença, Estado de Folia, de Chico César, Monobloco e BaianaSystem têm uma semelhança: todos são produzidos e realizados pelo Coletivo Pipoca.
À Splash, o empreendedor e co-fundador do coletivo, Rogério Oliveira, contou como saiu do mundo corporativo e criou o hub, em 2011, que movimentou cerca de R$ 4,7 milhões entre marcas e blocos no Carnaval de 2023.
O que ele disse
Com passagens pela Editora Abril, Nestle e Johnson & Johnson, Rogério não se via mais no mundo corporativo após 17 anos no meio. "Vinha muito infeliz nesse mundo, mudava de empresa e dava uma melhorada, mas eu percebia que era muito pela mudança, que dava uma oxigenada nos ares. Passava por dois, três anos e percebia a minha potência baixar de novo. Em 2010 e 2011, comecei a cristalizar a decisão de pedir demissão".
Mesmo com a carreira estável e a parte financeira boa, não havia mais ânimo e um pedido de demissão seria um ponto de virada. "A carreira ia bem, financeiramente [também], mas essa motivação estava lá embaixo e tomei a decisão de mudar de vida mesmo, então não era mais uma demissão para procurar outro emprego: eu realmente tinha pedido demissão dessa vida".
Rogério conta que não "tinha um plano" de recomeçar após sair do mundo corporativo e começou a estudar sobre a felicidade no trabalho, pois ele mesmo já estava "infeliz" na profissão. Foi em uma oficina de percussão, no Rio de Janeiro, que ele começou a ter uma ideia do que queria para o futuro.
O insight inicial foi: 'Cara, São Paulo é um lugar que precisaria muito ter essa terapia das pessoas extravasarem uma vez por semana e reencontrarem [outras pessoas]'. Comecei esse movimento em 2011, trazendo essas oficinais do Rio para São Paulo.
Rogério Oliveira, sobre como foi a ideia inicial de trazer mais elementos do Carnaval para São Paulo
Puxado pela ascensão do Acadêmicos do Baixo Augusta nos blocos paulistanos, Rogério produziu o primeiro desfile do bloco Bangalafumenga em São Paulo, em 2012, que foi "tímido" e reuniu três mil pessoas. Em 2013, o público de 20 mil pessoas foi acima do esperado e "não dava mais para a prefeitura não olhar" para eles.
Tendo poucas opções de blocos de rua na cidade de São Paulo em 2013, Rogério deu conta que as pessoas sentiam falta de um dia inteiro de Carnaval de rua.
Eram três horas de bloco, acabou e não tinha outro bloco na época na cidade para as pessoas irem. Ficou um vácuo assim das pessoas: 'E agora, vou para onde?' Me dei conta e falei: 'Nossa, preciso trazer mais um, precisam ser dois para a galera sentir um dia de Carnaval'. No ano seguinte, eu trouxe o Sargento Pimenta para São Paulo. Começou trazendo bloco do Rio, porque São Paulo não tinha esse formato de percussão de bateria [...] A maioria não tinha esse formato de convidar pessoas para estarem lá uma vez por semana aprendendo e elas serem protagonistas do Carnaval. Isso foi bem pioneiro em São Paulo.
Rogério Oliveira, ao falar sobre a vontade dos paulistanos em terem mais blocos de Carnaval
Com mais pessoas envolvidas e participando dos blocos, o Pipoca até contribuiu na criação de políticas públicas do Carnaval paulistano. "A gente contribuiu e ajudou a redigir muito do que até hoje é a política pública na cidade para o Carnaval. Pessoalmente, pude contribuir com algumas regras e aprendizados que a gente coletou com produtores de Carnaval, no Rio de Janeiro e em Olinda".
Ele conta que, mesmo com a ascensão dos blocos de rua na capital paulista, o Carnaval de São Paulo quase foi para o lado da "camarotização". "As pessoas não sabem disso, mas foi real o risco do Carnaval de São Paulo ter virado um formato mais privado, de áreas cercadas, abadás e tudo mais. Podia ter ido para um lado para o outro. Foi uma luta de alguns blocos que defenderam esse modelo mais livre. Talvez uma sorte de, na época, o poder público eleito ter essa visão mais democrática de carnaval e impedido essa 'camarotização' do Carnaval".
Chegada de patrocínios
Com o Carnaval de rua ganhando relevância, o apoio financeiro de patrocinadores viria naturalmente. "Logo no início, eu já senti que aquilo tinha uma relevância, porque com quase nada a gente reuniu três mil pessoas, no ano seguinte mais de 20 mil pessoas, sem comunicar e sem nenhum grande investimento. A gente percebeu que tinha relevância para as pessoas, para a cidade, e naturalmente o apoio financeiro vem quando você cria algo com relevância orgânica".
A marca entende a relevância que tem o carnaval e, portanto, querem fazer parte desse diálogo, mas era difícil para elas e continua sendo: 'Poxa, como eu acesso os blocos? Como escolho os blocos que eu vou participar? Como faço a curadoria? Como eu crio as ideias? O que funciona em uma cidade? E na outra? Como é que eu implemento?' É um lugar complexo para uma marca. Do outro lado, os blocos querendo apoio, querendo recurso das marcas, mas sem é estruturas, preparadas ou profissionalizadas para dialogar com as marcas.
Rogério Oliveira, sobre a dificuldade dos blocos e marcas se conectarem
Foi percebendo essas "dores" dos blocos e das marcas que o Pipoca ganhou força no Carnaval paulistano, segundo Rogério. "Uma marca quer fazer uma ação no carnaval, então imagina ela ter que falar com dez blocos? A gente percebeu essas dores muito pelo lado do blocos e esse ano a gente se organizou para conseguir intermediar essa relação, como se fosse um braço, uma central do carnaval. As marcas querem entrar no Carnaval e a gente faz esse diálogo. O que quase triplicou foi esse recurso que a gente movimenta entre marcas e blocos. A gente percebeu que era uma dor do mercado.
Para ele, o dinheiro é essencial para o bloco ir para a rua, mas o patrocinador precisa entender que não pode entrar de forma "intrusiva" na folia.
Com as marcas, a gente faz um trabalho no caso que é de apoio e também de educação sobre como entrar ele no Carnaval. Há uma maturidade muito grande das marcas hoje em dia. A gente trabalha para entenderem que não podem entrar de uma forma intrusiva [no Carnaval]. A forma mais inteligente delas entrarem é se somar ao objetivo do artista e entender, por exemplo, o que Alceu tem na cabeça dele? Qual é o desejo artístico que ele tem para esse ano?
Rogério Oliveira, ao explicar como as marcas devem se conectar com os blocos
O criador do coletivo também destaca que a festa cresceu após a pandemia de covid-19, o que renovou o desejo das marcas em estarem presentes nos blocos. "Nos alegra muito ver como o número de festivais de música no Brasil cresceu após a pandemia, e com ele um novo desejo das marcas de estarem presentes nesses eventos. Queremos relembrar as marcas e agências de que o maior 'festival' que existe no Brasil é o Carnaval. Não há nenhum outro que movimente tantas pessoas, recursos e que seja tão relevante emocionalmente quanto o Carnaval. Com uma diversidade que cobre diversos públicos e possíveis narrativas de quase qualquer território de marca, inclusive marcas de luxo".
Carnaval 2024
Em São Paulo, a Pipoca promove a terceira edição do Carnaval Viva a Rua, com a presença de Alceu Valença, Monobloco, Chico César, Maria Rita, BaianaSystem e Orquestra Voadora, partindo do Obelisco, no entorno do Parque do Ibirapuera. Neste fim de semana de pré-Carnaval, Alceu Valença e Chico César se apresentaram no Ibirapuera, no sábado (3).
Em 2023, os 462 blocos de rua da capital reuniram cerca de 15 milhões de pessoas, segundo o Observatório de Turismo de São Paulo. Um levantamento do Pipoca mostra que os blocos produzidos pelo coletivo reuniram cerca de dois milhões de foliões e movimentou cerca de R$ 4,7 milhões entre marcas e blocos. Para este ano, o coletivo estima que o valor será mais que o dobro: cerca de R$ 12 milhões.
Já na Bahia, a Pipoca realiza ações para diversas marcas, blocos e artistas como Ivete Sangalo, Leo Santana e Bell Marques.
No Rio de Janeiro os blocos são Bangalafumenga, Bloco do Sargento Pimenta, Bloco Areia e Escangalha, além dos cortejos do Monobloco e Orquestra Voadora.
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