Sem dinheiro, Blocos de SP desistem de desfilar e reclamam da Prefeitura

Às vésperas do Carnaval, alguns blocos de rua de São Paulo anunciaram que não irão desfilar na festa deste ano devido à dificuldade para obter recursos e criticaram a falta de planejamento, organização e diálogo por parte da Prefeitura.
O que aconteceu
A Prefeitura de São Paulo registrou 118 cancelamentos de desfiles de blocos de Carnaval até esta quarta-feira (31), segundo reportagem da Folha de São Paulo. Dificuldade de captar patrocínios e falta de diálogo com a gestão municipal estão entre as principais causas citadas pelos organizadores. Os avisos foram publicados no Diário Oficial desde o fim do ano passado.
Na lista de desistências estão blocos que costumam levar uma multidão às ruas, como o bloco Meu Santo É Pop e Domingo Ela Não Vai.
A Prefeitura de São Paulo divulgou em janeiro o chamado edital de fomento. O mecanismo oferece ajuda financeira a blocos de rua.
Cem blocos selecionados receberão o valor de R$ 25 mil (há ainda o desconto de cerca de R$ 6 mil no Imposto de Renda para pessoas físicas)
Ou seja, o cortejo receberá no fim apenas R$ 19 mil. Um bloco médio, segundo apurou Splash, gasta em média entre R$ 50 e R$ 60 mil para colocar a sua estrutura na rua (trio elétrico, cordeiros, segurança, bombeiro, ambulância, UTI móvel etc).
A verba deve ser repassada dois ou três meses depois do Carnaval. Assim, só poderá ser utilizada ao longo do ano ou somente na festa de 2025.
Para Splash, organizadores de blocos e coletivos reclamaram do processo burocrático para os grupos que querem ter acesso ao dinheiro e sobre a falta de transparência nos critérios para os cortejos selecionados. Eles também criticam a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e da secretária municipal de Cultura, Aline Torres.
Tudo isso é sempre feito muito em cima da hora, com uma burocracia absurda. Quem entrou acreditando que o dinheiro viria até o Carnaval do ano passado, por exemplo, não veio. E quando a secretária de Cultura da cidade foi questionada, neste caso, Aline Torres, qual foi a declaração dela? 'Pega um 'emprestimozinho' aí e espera depois o dinheiro sair para pagar'. Thais Haliski, uma das fundadoras da Comissão Feminina
"Para esse ano esperávamos um planejamento melhor [da Prefeitura], mas, até hoje não temos nem a lista final dos que foram selecionados [para receber o dinheiro]", disse. "E ainda existe a segunda etapa, que é o envio de documentação para análise. Ou seja, é por isso que o valor vai ser pago daqui a dois ou três meses."
Thais questiona ainda os critérios utilizados para selecionar os 100 blocos que receberão o dinheiro.
A gente não sabe direito qual é o critério. Não está claro. Tem uma pontuação que você faz de acordo com a forma como você preencheu o edital (como você apresentou o projeto, o que você já fez, qual é o histórico do bloco). Aí você vai pontuando... Mas sobre esses critérios, só mesmo a Secretaria de Cultura que pode explicar Thais Haliski (Leia a nota da secretaria abaixo)
Por causa da dificuldade para obter recursos e patrocínios, vários blocos já anunciaram que não irão desfilar no Carnaval de rua deste ano. É o caso do Bloco Jegue Elétrico, que cancelou um dos cortejos, justamente o do dia em que o grupo completa 24 anos de Carnaval.
Justamente no dia do aniversário, cara, porque não tem dinheiro. A gente não tem patrocínio, e também não consegui entrar na lista. Eles fizeram um fomento aí para blocos. O ano passado eram 300 blocos. Esse ano fizeram só para 100 blocos. Não há transparência. Emerson Boy, fundador do Bloco Jegue Elétrico

Outro bloco que anunciou o cancelamento de seu desfile por falta de grana foi o bloco Pirikita em Chamas. "Além de toda a burocracia para se fazer Carnaval de rua em São Paulo, falta de dinheiro e de apoio da Prefeitura, tivemos outros desafios da vida. É com dor no coração que anunciamos que o Pirikita em Chamas não sairá em cortejo em 2024."
O tradicional Domingo Ela Não Vai, responsável por arrastar mais de 170 mil foliões, também cancelou o cortejo. "Não conseguimos captar esse recurso [da Prefeitura]. E é um recurso que não pagaria grande parte da produção. Eu sei de alguns blocos, por exemplo, que foram contemplados e que desistiram, porque esse valor não compete. É a segunda iniciativa. Talvez seja algo interessante aí, mas se bem pensado", afirmou Rodrigoh Bueno, fundador do bloco, a Splash.
Em 2023, São Paulo indicou 300 blocos para receber o valor de R$ 15 mil (sem o desconto dos impostos). Neste ano, serão 100, e o valor é de
R$ 25 mil --há desconto de cerca de R$ 6 mil para pessoas físicas. Este é o segundo ano em que a capital paulista lança a iniciativa.
Com esse dinheiro, organizadores dizem que prestadores de serviço também aumentaram, de forma exponencial, o valor cobrado. O que ocorre é que, como o fomento é repassado apenas a uma pequena parcela dos blocos, todos os outros acabaram absorvendo o aumento cobrado pelos prestadores.
Dos 637 blocos anunciados inicialmente pela Prefeitura de São Paulo, pelo menos 118 desfiles já haviam sido cancelados até esta quarta-feira.
O Carnaval deste ano está sendo desafiador, porque tá todo mundo se ajudando para que todos consigam sair, embora a gente já saiba que pelo menos uns 15% ou 20% não vão sair no final, por falta de dinheiro Zé Cury, do bloco Me Lembra Que Eu Vou

O que diz a Secretaria
A Secretaria Municipal de Cultura diz que a fase de pagamento aos contemplados "ocorrerá após o período de recursos, que acontece no momento", mas não informa datas.
Sobre os critérios utilizados na contemplação dos blocos selecionados, a pasta diz:
Para a seleção dos inscritos, os critérios levam em conta a relevância do histórico de ações, atividades e projetos dos artistas, coletivos, grupos artístico-culturais e produtores independentes, que são comprovadas a partir do portfólio apresentada e valendo 35 pontos; a questão da inclusão e diversidade no território também é objeto de avaliação, considerando abrangência de atuação territorial, diversidade socioeconômica, de etnia, gênero, deficiência, faixa, entre outros, valendo mais 25 pontos. O benefício à população da cidade, por meio de ações sócio culturais que vão além do desfile, também um critério de avaliação, levando em conta a oferta de atividades ou ações que os projetos contemplarem para gerar benefícios e impactos positivos às comunidades envolvidas, valendo 20 pontos. Por fim, avalia-se também a dificuldade de captação de patrocínio, valorizando e fomentando os blocos pequenos: esta base vale 20 pontos na avaliação final.
"Falta de planejamento e diálogo"
Além da falta de planejamento, organizadores também têm reclamado da falta de diálogo entre a secretaria e os grupos.
Eles dizem que, faltando poucos dias para o início do Carnaval, a prefeitura ainda não repassou informações sobre banheiros químicos e a distribuição de água para os foliões, por exemplo.
Outro ponto questionado pelos blocos é a restrição de horários feita pela prefeitura: os blocos são obrigados a terminarem o desfile até às 18h e precisam evacuar os foliões até às 19h. Caso passem deste horário, os grupos poderão ser penalizados, sob o risco de ficarem de fora para o Carnaval de 2025. A restrição já tinha ocorrido no evento do ano passado, mas pessoas a par do assunto disseram que houve a promessa de que a iniciativa seria excluída em 2024.
Mais uma vez estamos questionando o horário imposto pela Prefeitura, para o término dos desfiles dos blocos, às 18h. Não só o Baixo Augusta, como todos os blocos da cidade acham muito cedo. Parece uma matinê. Isso é muito ruim para a lógica da espontaneidade do Carnaval. É necessário ter uma previsibilidade também para desfiles noturnos. A gente se preocupa muito com esse tipo de restrição. Consideramos um retrocesso Alê Youssef, fundador do Baixo Augusta, ao UOL Ele foi secretário de Cultura nas gestões de Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB)
A reportagem solicitou entrevistas e enviou questionamentos ao prefeito Ricardo Nunes e à secretária municipal de Cultura, Aline Torres, sobre as queixas apontadas pelos blocos. A Prefeitura disse que vem se preparando para a realização do Carnaval há meses e que a cidade contará diariamente com mais de 31.400 agentes públicos que atuam nas áreas de zeladoria, segurança, transporte, turismo, entre outras áreas.
"A cada ano o Carnaval de rua vai sendo ampliado e melhorado", disse o prefeito Ricardo Nunes, ao anunciar que toda a infraestrutura para o Carnaval 2024 está contratada. "O que compete à Prefeitura, e a gente está fazendo, é fornecer toda a infraestrutura de gradil, de banheiro, de segurança, da questão logística, de fechamento de ruas. E tudo isso está sendo feito dentro do prazo", acrescentou o prefeito.
A expectativa da Prefeitura de São Paulo é que a cidade receba mais de 15 milhões de foliões para o Carnaval deste ano.
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