'Vou vender meu apartamento': Carnaval irrita moradores de Pinheiros
A época de Carnaval, cheia de blocos em São Paulo, pode ser animada para alguns, mas motivo de desespero para outros. Moradores de Pinheiros, na zona oeste, reclamam do barulho nas ruas até a madrugada, da sujeira e cheiro de xixi —segundo eles, a folia não fica restrita a poucos dias, mas dura "o mês inteiro".
Mais de 80 blocos de Carnaval passarão este ano pela região. E a previsão é de 3 milhões de pessoas na folia paulistana —o pré-Carnaval começa, oficialmente, no dia 3 de fevereiro, mas já há festas pela cidade. A subprefeitura de Pinheiros afirma que os locais terão fiscais e agentes de segurança, da Polícia Militar e GCM (Guarda Civil Metropolitana), para evitar problemas.
'Vou vender meu apartamento e mudar de bairro'
A advogada Andrea Martins, 44, mora no bairro há mais de 30 anos e decidiu que vai vender o apartamento para sair da região. Ela passou a maior parte do tempo vivendo na rua Joaquim Antunes e, há três anos, mudou-se para a rua Deputado Lacerda Franco.
Foi a pior besteira que fiz. Com isso, decidi que agora vou definitivamente sair do bairro. Coloquei meu apartamento à venda, não tem mais condições de morar aqui.
Andrea Martins
Andrea costuma viajar no Carnaval para fugir da bagunça. A advogada explica que o "mês inteiro de Carnaval" causa muita bagunça no bairro.
Não fico no bairro porque não consigo entrar e nem sair da minha casa, tampouco dormir. Os bares não respeitam o horário e varam a madrugada. Há ainda os carros que vendem bebida e ficam estacionados na calçada a madrugada inteira. Aglomera muita gente e você não consegue dormir. As ruas ficam todas interditadas. De uns oito anos para cá, a coisa piorou demais aqui no bairro.
Andrea Martins
Andrea fala ainda que a rua em que mora é residencial, o que incomoda toda a vizinhança. "Não é só um fim de semana de barulho, é o mês inteiro", diz.
As pessoas param o carro na entrada da sua casa. A rua fica cheia de sujeira, de bituca de cigarro, de camisinha. Ano passado, uma menina abaixou aqui na porta do prédio para fazer xixi.
Não sei como eles conseguem fazer todo ano o Carnaval aqui no bairro, sendo que todo mundo reclama. Até os comerciantes reclamam porque eles não podem abrir quando o bloco passa. Então, para quem interessa o Carnaval no bairro?
Andrea Martins
Reclamações dos blocos são temas recorrentes em grupos de moradores do bairro no Facebook, de que Andrea faz parte. "E o inferno está só começando?", escreveu uma moradora. "Na torcida para chover muito... mas muito mesmo", disse outra.
'Gosto do Carnaval, mas organização precisa melhorar'
Morador da região há 16 anos, Jaques Mendel Rechter, 67, cita o Carnaval como "uma época difícil" para o bairro. O urbanista e advogado parte da associação de moradores Amor Pinheiros e acredita que falta organização e clareza nas informações.
Os moradores se queixam de não receber informação precisa e exata dos locais de interdição das ruas, em tempo real. Tudo o que a prefeitura faz é focado apenas no folião que vai ao bloco. Essa comunicação só está piorando ao longo dos anos.
Jaques Mendel Rechter
A administração municipal até organiza uma lista de ruas afetadas, nos locais de concentração, segundo Jaques. No entanto, para ele, o ideal seria conseguir acompanhar as informações em tempo real, já que os blocos se movimentam. "Há muitos moradores com deficiência física ou outras limitações, por exemplo, que pela falta de clareza decidem sair de São Paulo nesta época."
Além disso, o advogado critica a falta de banheiros químicos —ele diz que o folião pode ter dificuldades para encontrar nas ruas do bloco ou, às vezes, precisa pedir para estabelecimentos comerciais.
O pessoal acaba urinando na rua, mesmo tendo uma lei que 'não pegou'. Se os banheiros fossem distribuídos inteligentemente, seria melhor, ou outra sugestão seria uma possível parceria com os comerciantes locais.
Jaques Mendel Rechter
Ele também crítica a acústica causada pelo som dos blocos em ruas com muitos prédios. "O caminhão do som ficar parado em determinado local e, com tantos prédios ao redor, o som 'sobe' e 'entra' no apartamento. Mesmo fechando as janelas, o som fica ali e incomoda."
'Minha rua era banheiro a céu aberto'
A professora e psicanalista Luciane Tabach, 64, mora perto do Largo da Batata e lembra o último Carnaval que ocorreu na região, em 2019 —o desfile resultou em confusão e violência.
Quando terminaram os blocos, a polícia não conseguiu dispersar as pessoas, que ligaram caixas de som. Os agentes jogaram bombas de gás lacrimogêneo porque começaram a quebrar a entrada do metrô, destruíram o estacionamento de bicicletas e saquearam uma banca de jornal. O cheiro do gás invadiu meu apartamento.
Luciane Tabach
Luciane descreve como "insuportável" o movimento. Ela mora em um prédio que fica no primeiro andar, então conseguiu observar de perto.
Minha rua era um banheiro a céu aberto, com um cheiro horrível (...) O que mais me impressionou foi a idade dos foliões, meninos e meninas de 15, 16 anos completamente bêbados, dormindo na rua.
Luciane Tabach
A professora lembra que, no dia seguinte, a prefeitura "acabou com o Carnaval na região". Desde então, os blocos foram transferidos para outras regiões de Pinheiros. Só de pensar no retorno do Carnaval na região, Luciane fica angustiada.
Não gosto nem de pensar. O som realmente pode terminar no horário estipulado, não posso reclamar disso, mas a dispersão fica inviável.
Luciane Tabach
São Paulo terá 579 blocos
Ao todo, São Paulo vai ter 579 blocos em todas as regiões das subprefeituras.
Os trajetos foram analisados pela Comissão Especial e tiveram seus itinerários aprovados pela CET e órgãos de segurança pública, de acordo com a nota da Secretaria Municipal das Subprefeituras.
Em Pinheiros, a subprefeitura informou que todos os festejos devem encerrar as atividades até as 18 horas. A região terá 88 blocos de rua, com atrações que incluem Vanessa da Mata e Tiago Abravanel.
Todos os blocos cadastrados terão a estrutura necessária para a realização dos desfiles, com equipes de segurança, gradis, tapumes, banheiros químicos, limpeza e fiscalização —informa a gestão municipal.
Haverá ainda quatro postos médicos na Faria Lima e na Henrique Schaumann e 900 banheiros químicos distribuídos pelas ruas. A avenida Brigadeiro Faria Lima e a rua Henrique Schaumann já passaram por vistorias.
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