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Carnaval: pandemia gera encalhe na venda de fantasias das escolas de samba

Fantasias de alas comerciais de escolas como a Mangueira estão paradas, sem vendas Imagem: Divulgação

Valmir Moratelli

Colaboração para o UOL, no Rio

12/01/2022 19h14

Desespero. Essa é a palavra mais repetida, a pouco mais de 40 dias do Carnaval, entre os dirigentes de alas comerciais das escolas de samba. A baixa procura por fantasias para os desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro acendeu um alerta. As incertezas geradas pelas autoridades em autorizar ou não a festa no sambódromo, à espreita da nova onda de covid-19 no país, têm causado encalhe na venda de fantasias e dado prejuízo a quem vive da renda dos ateliês.

Luciano de Oliveira, responsável pela ala Raízes da Portela há mais de 30 anos, diz que nunca presenciou nada parecido na escola de Madureira. "Em 2019 eu vendi 106 fantasias em apenas dez horas. Ou seja, esgotou tudo em menos de um dia! O movimento que acontece hoje é totalmente novo. Está tudo parado aguardando definição", lamenta.

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Fantasia de ala da Portela Imagem: Divulgação

A fantasia Mercadores Escravizados custa R$ 1650,00. Luciano conta que tem facilitado a forma de pagamento para tentar escoar a produção parada no ateliê. "A gente dá um jeito, só que se vive um problema pandêmico, muitas pessoas que desfilam têm certa idade. O que mais preocupa é a indefinição de estado e prefeitura"

Se cancela o Carnaval de rua, todos se perguntam: Será que vai cancelar Sapucaí também? Não há garantias até agora!

Em seu ateliê, que tem 12 pessoas trabalhando, apenas 18 fantasias foram vendidas até o momento. Outras 32 esperam por foliões.

Pior ano

É com voz embargada, visivelmente emocionada, que Cleide Alves, presidente da ala Estrela Guia, da Mocidade Independente de Padre Miguel, explica seu sentimento. "Isso é um terror! É esquisito esse cenário, está bem complicado. Estou em oração, muito angustiada. Vejo a maioria das pessoas acamada, gente que não quer tomar vacina... É um cenário tristíssimo!", desabafa ela, que tem apenas 12 fantasias vendidas em uma ala com 64 vagas.

"A fantasia é homenagem a São Jorge, sou devota dele. Rezo todo dia pedindo que, se for para o bem do povo, que tenha Carnaval", diz. Cada fantasia sua custa R$ 1300,00.

Até na atual campeã, a Unidos do Viradouro, a baixa procura assusta os organizadores. A escola tem duas alas comerciais, cada uma com 90 componentes. A Reis da Folia tem 45 vagas disponíveis, já a Ala da Amizade conta com 30.

O mesmo se repete em outra agremiação que tem, tradicionalmente, facilidade em vender suas roupas. A Grande Rio, conhecida por reunir celebridades globais, amarga apenas 15 fantasias vendidas, de um total de 80, na ala Bate-bola. "É o pior ano da história para venda de fantasias. A gente depende do investimento que o pessoal paga. As pessoas até estão procurando, mas sem fechar negócio, com medo se vai ter ou não desfile", relata Joaquim Horácio, que comanda a ala Tuiuiú há mais de 30 anos na escola da Baixada Fluminense.

Momento econômico

Todos concordam que as indefinições políticas afastam compradores. Mas, aliado a essa incerteza advinda com a nova cepa da covid-19, está o cenário econômico que o país atravessa: elevadas taxas de desemprego, inflação desenfreada e alta do dólar, o que encarece produtos importados. As fantasias se tornam, assim, um bem distante para quem curte desfilar.

Carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira explica que a realidade de 2022 é piorada por esse contexto. "Não é questão de sentir, é um fato! A economia brasileira empobreceu todos em geral, as pessoas estão mais vulneráveis, sem dinheiro, sem emprego", diz.

Em sua escola, uma das alas com fantasias à venda é a Voz Eterna, em homenagem ao intérprete Jamelão. A responsável, Áurea Moreira, conta que tinha esperanças de que as vendas fluíssem com a passagem do Natal. Não foi o que aconteceu. "O telefone não toca, é enlouquecedor! Depois das festas natalinas, com a nova onda de covid, as coisas ficaram ainda mais difíceis", relata.

Para tentar dar fôlego às vendas, a estratégia que a escola adotou foi dividir a ala de 120 componentes entre três diretores, cada um responsável por 40 fantasias. Aurea só fechou 13 até o momento, ao custo de R$ 1650,00 cada. "Dá para parcelar em doze vezes, a gente facilita como pode", diz.

E o que fazer caso o comprador desista de desfilar de última hora por motivos de saúde? Nenhuma agremiação cogita, até o momento, devolução do dinheiro investido. "Quem comprou está com ela paga, alguma hora o carnaval vai acontecer. Pode dar de brinde para alguém, pode revender... Só me comunicar para ter controle no desfile. Não tem como devolver", esclarece Luciano de Oliveira.

Grupos antagônicos

As redes sociais têm se dividido em dois grupos: o dos que querem que os desfiles ocorram em fevereiro e o dos que pedem o cancelamento até que a onda de novos casos diminua no país.

"Me dói ler a crítica que muitos estão fazendo, ao defenderem a não realização do Carnaval. Passei o domingo brigando por isso. As pessoas não entendem o que a gente passa durante o ano, como é importante pra gente esse dinheiro. Os mesmos que defendem parar o carnaval são os que não deixam de ir ao cinema ou ir a um show no final de semana. É uma opinião seletiva, segregada", diz Áurea, que tem esperança de que a festa se realize na data pré-definida.

Na mesma luta, outros dirigentes se unem para sensibilizar o público. "A maioria das pessoas dos ateliês não tem outra profissão, vive disso. Tem que se pensar na gente também", pede Cleide. "Vacinado e com comprovação, não tem por que adiar", defende Áurea.

Nessa época, os responsáveis pelas alas já estariam montando as logísticas de entrega das fantasias, sem qualquer possibilidade de oferecer roupas a foliões atrasados. Por enquanto, seguem aguardando ligações de gente — devidamente vacinada — que queira se programar para um ainda incerto Carnaval na Sapucaí.

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