Briga de gigantes

Segunda noite de desfiles no Rio tem poucos erros e disputa apertada entre Vila, Salgueiro e Beija-Flor

Do UOL, no Rio Dikran Junior/Futura Press/Estadão Conteúdo

Carros quebrados, fantasias despencadas, buracos na avenida, tempo estourado. Não foi fácil a primeira noite de desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Pois o contrário aconteceu no segundo dia de Carnaval na Marquês de Sapucaí. As agremiações atravessaram a avenida com alegria, luxo, criatividade e eficiência, o que fez com que a briga pelo título ficasse bastante apertada.

Vila Isabel, Salgueiro e Beija-Flor largam na frente como as melhores da noite, mas Mocidade e São Clemente também fizeram bonito. A decepção foi a Unidos da Tijuca, que fez um desfile muito abaixo de suas tradições e da marca do carnavalesco Paulo Barros.

A Vila Isabel apostou em uma entrada com forte apelo visual para apresentar o seu enredo sobre Brasília. Muito criticado na pré-temporada, o samba funcionou na avenida e foi bem defendido pelos componentes, que evoluíram com garra. Outro destaque foi a bateria do mestre Macaco Branco, que arrebatou o público com suas paradinhas. A Vila Isabel se mostrou uma escola consolidada na parte mais alta da tabela e deverá disputar o campeonato.

Em seguida, foi a vez de o Salgueiro despontar, com o enredo sobre Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil. O desfile teve um visual leve, colorido e de extremo bom gosto nas alegorias e fantasias. A comissão de frente apresentou umas das coreografias mais inspiradas do ano e foi bastante aplaudida, assim como o casal de mestre-sala e porta-bandeira Sidclei e Marcella Alves. A bateria deverá também garantir ótimas notas para a escola. O Salgueiro fez um desfile correto e com quase nenhum erro e também está na briga.

A Beija-Flor foi a última a desfilar e entrou na pista mordida, disposta a se recuperar do 11º lugar do Carnaval do ano passado. E conseguiu, com êxito, dar uma demonstração de força. Sua comissão de frente, de muito impacto, foi ovacionada pelas arquibancadas. As alegorias e fantasias chamaram a atenção pelo luxo e pela precisão nos detalhes. O samba-enredo, magistralmente conduzido por Neguinho da Beija-Flor, embalou o desfile empolgado e apaixonado dos sambistas de Nilópolis.

A apuração dos votos dos jurados acontece na quarta-feira, quando finalmente será conhecida a grande campeã do Carnaval 2020. A disputa deve ser apertada e cheia de emoções, uma verdadeira briga de gigantes.

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Dikran Junior/Futura Press/Estadão Conteúdo
Júlio César Guimarães/UOL

São Clemente debochada

A escola da zona sul do Rio de Janeiro levou à Sapucaí uma crítica à malandragem com o tema "O conto do vigário". Com o humorista Marcelo Adnet entre os compositores, o samba da São Clemente contou fatos históricos envolvendo política e corrupção, mostrando como o "jeitinho" entrou no comportamento do brasileiro.

Bem-humorado e debochado, o desfile parecia um programa de Adnet na TV. Além de compor, o humorista desfilou interpretando o presidente Jair Bolsonaro, com direito ao gesto de "arminha" com a mão e flexões erradas. Cartazes mostraram frases características do atual governo, como "A Terra é plana" e "Acabou a mamata".

Adnet ainda chamou seus colegas, atores e humoristas, para desfilar. Mateus Solano, Érico Brás, Marcos Veras e Paulo Vieira também pisaram na Sapucaí representando a São Clemente.

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Luciola Vilella/UOL

Vila Isabel homenageia Brasília

Segunda escola a entrar na Marquês de Sapucaí, a Unidos de Vila Isabel levou para a avenida um desfile tropicalista, com profusão de cores e brilhos, para homenagear Brasília. A agremiação usou uma lenda indígena para contar a história da cidade, fundada em 1960.

Com sua nova rainha de bateria, Aline Riscado, a escola fez um desfile carregado de brasilidade e chamou a atenção pelo capricho nas alegorias. O carro abre-alas, de 70 metros de comprimento, tinha uma índia gigante representando a pátria família, que criará Brasil e sua irmã, Brasília.

A tradicional ala das baianas também encantou o público com saias rodadas estampadas com cachos de bananas. Outras alas homenagearam as regiões do Brasil que ajudaram a construir Brasília.

A escola encerrou o desfile homenageando Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, responsáveis pela construção da capital.

Estreando na função de rainha da escola, após marcar época à frente da bateria da Vila Isabel, a apresentadora Sabrina Sato desfilou à frente da agremiação e causou histeria no público. Ela celebrou o novo momento e festejou o fato de ter cruzado a Sapucaí ao lado do sambista Martinho da Vila, ícone da MPB e maior baluarte da escola.

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Luciola Vilella/UOL

Salgueiro no picadeiro

O Acadêmicos do Salgueiro promoveu um verdadeiro espetáculo circense para homenagear Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil, que completaria 150 anos em 2020. A agremiação levantou a Sapucaí com seu samba-enredo, uma ode à resistência.

O desfile fez questão de lembrar a importância dos negros na cultura e na arte do país, com a presença de personalidades como Negra Li, MC Rebeca e Érika Januza, bem como dos atores Ailton Graça, Nando Cunha e Hélio de La Peña, que representaram Benjamin de Oliveira em alas diferentes.

Em um desfile que transcorreu sem problemas de evolução, a escola surgiu grandiosa, com alas coreografadas e alegorias coloridas e caprichadas que a colocaram como uma das favoritas para a disputa do título. As fantasias foram um show à parte, criativas e bem construídas.

À frente da Furiosa, como é conhecia a bateria do Salgueiro, Viviane Araújo mais uma vez provou que é a "rainha das rainhas". Ela surgiu carismática e poderosa à frente dos ritmistas, monopolizando as atenções na avenida.

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Luciola Vilella/UOL

Tijuca e sua mensagem de esperança

A Unidos da Tijuca entrou na avenida com um grande trunfo na manga: a volta do carnavalesco Paulo Barros à escola que o projetou e com a qual venceu três títulos do Carnaval carioca entre 2010 e 2014. Com o samba-enredo "Onde moram os sonhos", a agremiação levou à Marquês de Sapucaí uma mensagem de esperança ao Rio de Janeiro.

Reunindo histórias de grandes civilizações e culturas, a Tijuca entregou um desfile sofisticado, como se esperava, com alegorias cintilantes, esculturas detalhistas e uma das comissões de frente mais bonitas deste ano. A escola destacou belezas e a arquitetura da capital fluminense, mas também falou de aquecimento global e dos muitos problemas que afligem a cidade.

Favorita, brilhou na avenida, mas não sem alguns deslizes. Dois componentes da comissão de frente tiveram problemas nos trajes, que não acenderam como programado.

Estreando como rainha de bateria da escola, a cantora Lexa escorregou, torceu o pé e caiu. Amparada pelo mestre Casagrande, ela se levantou rapidamente e continuou firme até o fim do desfile.

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Luciola Vilella/UOL

Mocidade faz carta de amor a Elza

Penúltima escola a cruzar a Marquês de Sapucaí neste Carnaval, a Mocidade homenageou a cantora Elza Soares, nascida em Padre Miguel, mesmo bairro da agremiação. Com um samba de refrão fácil e alegorias grandiosas, a escola impressionou o público, mas teve de correr para finalizar o desfile dentro do limite de 70 minutos.

O enredo "Elza deusa Soares" foi uma verdadeira carta de amor à artista. Com Sandra de Sá em seu time de compositores, a letra exaltou Elza como um modelo de força, resistência e inspiração. A escola contou a história da artista desde que ela despontou para a fama, no show de calouros do apresentador e compositor Ary Barroso, nos anos 1950.

Foram destacados seus grandes feitos artísticos e também suas lutas por respeito e igualdade —para si e para todos. Elza sofreu preconceitos, que vieram expostos no quarto carro alegórico: racismo, misoginia, elitismo, moralismo e hipocrisia.

A cantora veio em um trono no último carro da escola, no qual um homem balançava uma bandeira onde se lia uma mensagem importante: "Respeita as mina, as mona e as mana". Elza foi recebida com entusiasmo pelo público e provocou enorme comoção.

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Luciola Vilella/UOL

A volta por cima da Beija-Flor

Maior campeã do século 20 e dos desfiles realizados na Marquês de Sapucaí, a Beija-Flor chegou à avenida com um desafio: esquecer o decepcionante 11º lugar do ano passado, um dos piores resultados da rica história da escola. A saída foi pela reformulação, com a chegada do carnavalesco Alexandre Louzada, que assinou a apresentação junto de Cid Carvalho, defendendo um enredo grandioso: "Se essa rua fosse minha".

Deu resultado. O desfile contrastou com o de 2019 e resgatou a aura clássica da Beija-Flor, com muito luxo, cores fortes, brilho e uma comunidade cheia de garra. O público entendeu o recado e respondeu cantando alto e sambando até o fim da passagem da escola, a última a desfilar.

Será difícil tirar pontos da Beija-Flor em quesitos como bateria, alegorias e mestre-sala e porta-bandeira, mas o mesmo não pode ser dito de evolução e harmonia. Houve uma certa demora para atravessar a avenida e, no fim, os integrantes tiveram de acelerar para chegar ao fim com tranquilidade, dentro dos 70 minutos regulamentares. A Beija-Flor conseguiu dar a volta por cima e acabou como uma das favoritas da noite.

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