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Fantasias encharcadas e medo de cair: escolas do Rio desfilam sob temporal

Igor Mello e Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

01/03/2020 05h29

Resumo da notícia

  • Temporal deixou o Rio de Janeiro em estado de alerta
  • Escolas campeãs desfilaram com muitas fantasias danificadas
  • Integrantes reclamaram do peso das fantasias encharcadas

A chuva que deixou o Rio em estado de alerta na noite de sábado atrapalhou o desfile das escolas de samba campeãs do Carnaval. O acesso à Marquês de Sapucaí ficou dificultado e uma parte do público se ausentou das arquibancadas —que, apesar dos ingressos esgotados, ficaram esvaziadas em alguns setores.

Nem os convidados dos camarotes ousaram ocupar a normalmente concorrida frisa, na beira da pista, para acompanhar os desfiles de perto. Ao contrário do que aconteceu no domingo e na segunda de Carnaval, praticamente ninguém além dos funcionários da Liesa e da imprensa estavam na pista. Normalmente o espaço também fica lotado.

A Mangueira foi a primeira a entrar na avenida e, com a chuva, uma ala deixou partes da fantasia para trás. Nas escolas que vieram na sequência, o mesmo efeito se repetiu: partes de fantasias faltando eram frequentes.

Chuva no desfile das campeãs do Rio de Janeiro - UOL - UOL
Parte do público resistiu bravamente nas arquibancadas da Marquês de Sapucaí
Imagem: UOL
Muitos integrantes das escolas reclamaram também do peso das roupas, que ficaram encharcadas com a chuva incessante. Muitos integrantes do Salgueiro tiraram o topo das fantasias. As baianas da escola também enfrentaram dificuldades em cruzar a Sapucaí.

O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola se apresentou em meio a um bolsão de água em frente à primeira cabine de jurados. Na fantasia da porta-bandeira, o efeito da chuva era visível: em sua saia, as plumas brancas acabaram tingidas de vermelho pela tinta que escorreu das outras plumas. O mesmo, aliás, valia para a avenida, que também ganhava uma coloração avermelhada conforme os componentes passavam.

O escoamento de água da Marquês de Sapucaí não funcionou bem e vários bolsões de água se formaram na pista.

Renata Santos, musa do Salgueiro, teve que parar no meio da Sapucaí para trocar o sapato - Marcela Ribeiro/UOL - Marcela Ribeiro/UOL
Renata Santos, musa do Salgueiro, teve que parar no meio da Sapucaí para trocar o sapato
Imagem: Marcela Ribeiro/UOL
Renata Santos, musa do Salgueiro, teve que parar no meio da avenida para tirar a sandália de salto e trocar por sapatilha, com receio de cair.

Destemidos, os pernaltas da escola enfrentaram a molhada Marquês de Sapucaí com coragem. Já prestes a entrar na pista, um deles confidenciou ao UOL que a única forma de evitar uma queda era rezar. "A gente também anda mais devagar e toma cuidado, mas muito além disso não tem o que fazer. O segredo é rezar."

A comissão de frente da Beija-Flor também teve problemas para se apresentar, por conta do excesso de água. Em um momento da performance, duplas de dançarinos formavam uma espécie de motocicleta. Com a chuva, tinham nítida dificuldade em controlar o elemento. As plumas das fantasias de diversas alas murcharam por conta do excesso de água. Mesmo a rainha da escola, Raíssa de Oliveira, com 18 anos de experiência no cargo, evitou sambar por conta do piso molhado.

A comissão de frente da Mocidade passou maus bocados, com medo de sofrer choques elétricos na avenida. Com um equipamento eletrônico que reproduzia a homenageada Elza Soares num painel de led, os componentes, antes do desfile, demonstraram muita apreensão. O coreógrafo Saulo Finelon tranquilizou: "Não tem nenhum fio conectando o equipamento a vocês. O máximo que pode acontecer é queimar o aparelho, mas vocês não vão sofrer nada", disse.

Rita Rosa, da Mocidade sofreu com o peso da fantasia. "Está muito mais pesada com a chuva. Mas é o amor pela escola. Por amor, vale tudo." (foto) Sidnei Henriques e Marcelo Monteiro também reclamaram da chuva. "Nosso chapéu é de espuma e, com a água do temporal, parece que triplicou de peso", explicou Sidnei. Marcelo reclamou, mas não demonstrou desânimo: "Vamos mesmo assim." (foto)

Quem acabou não indo foi Elza Soares. Apesar de estar na Marquês de Sapucaí para o desfile da Mocidade, escola pela qual foi homenageada, a artista de 90 anos não entrou na avenida. A agremiação achou por bem que ela acompanhasse o desfile de um dos camarotes. Vanessa Soares, sua neta, a substituiu.

A Grande Rio foi recebida com um temporal e muito vento. Antes de entrar na avenida, a rainha Paolla Oliveira afirmou: "Tem que ter um pouquinho mais de cuidado, mas até se cair está valendo. A galera está vibrando como se fosse o desfile oficial".

Rainha da Grande Rio, Paolla Oliveira desfila sob chuva na Sapucaí - Julio Cesar Guimarães/UOL - Julio Cesar Guimarães/UOL
Rainha da Grande Rio, Paolla Oliveira enfrenta a chuva na Sapucaí
Imagem: Julio Cesar Guimarães/UOL

Já o prometer David Brazil comemorou o temporal. "Estou amando essa água, essa energia. Amo demais essa escola, vou morrer Grande Rio."

Até Milton Cunha, comentarista da Globo, foi afetado pela chuva. Cunha iniciou a transmissão dos desfiles com um terno azul cravejado de cristais. Quando o Salgueiro, segunda escola a desfilar, entrou na Marquês de Sapucaí, a chuva já estava mais forte, e o comentarista chegou a lamentar: "Estou arrasado, a chuva destruiu meu topete, o meu laquê extraforte despencou!".

Campeã do Carnaval e de alma lavada, a Viradouro fé, jus ao seu enredo - batizado de "Viradouro de alma lavada" - e comemorou a conquista em grande estilo na avenida. Componentes atravessaram a Sapucaí em clima de festa, mas em menor número: com a chuva, alguns componentes sequer conseguiram chegar ao desfile.

Na avenida Presidente Vargas, local da concentração, saias da ala das baianas, que encantou a Sapucaí ao distribuir cocadas para o público, eram vistas escanteadas. Um diretor de harmonia alertou a reportagem: "Não precisa divulgar isso, não. As fantasias vão voltar para a escola. Algumas não chegaram porque está chovendo muito em São Gonçalo". A cidade é vizinha a Niterói.

Raíssa Machado, rainha da Viradouro, escola que celebrou o título do Carnaval carioca debaixo de chuva - Luciola Villela/UOL - Luciola Villela/UOL
Raíssa Machado, rainha da Viradouro, escola que celebrou o título do Carnaval carioca
Imagem: Luciola Villela/UOL

Mesmo com o frio e a chuva, a ala dos passistas era uma das mais animadas. Ainda na concentração, eles cantavam o samba sem parar entre uma reclamação de chuva e outra. Ao cruzar a linha que separa o asfalto da Presidente Vargas do chão cinza da Sapucaí, entretanto, a coisa esquentou: ovacionada pelo setor 1, a ala sambou como sempre e não se deixou abater pelo temporal.

O clima de festa estava presente em toda a escola, que levou a sério o desfile. A maioria dos componentes manteve suas fantasias completas, mesmo com o peso da chuva. Ao final do desfile, o público dos camarotes desceu para a avenida e não parou de cantar um minuto. Como já havia ocorrido no domingo de Carnaval, as arquibancadas cantaram a plenos pulmões o samba-enredo da agremiação de Niterói e mais: o passo de dança característico dos componentes, simulando a lavagem de roupas na lagoa de Abaeté, também pegou.

Os componentes, sobretudo da diretoria e das funções de apoio da escola, estavam eufóricos. Muitos desfilaram com uma faixa anunciando: "A campeã voltou". E não teve chuva que impedisse a celebração da grande vitoriosa do Carnaval 2020.

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