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O samba mais cantado aliado a bom gosto e riqueza deu o título a Viradouro

Presidente da Viradouro levanta taça de campeã do Carnaval 2020 ao lado de seu pai (camiseta preta), que é presidente de honra da escola - Júlio César Guimarães/UOL
Presidente da Viradouro levanta taça de campeã do Carnaval 2020 ao lado de seu pai (camiseta preta), que é presidente de honra da escola Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Bernardo Araujo

Colaboração para o UOL, do Rio de Janeiro

26/02/2020 20h18

Pela primeira vez em muitos anos, não havia uma clara favorita ao título do Carnaval carioca. As escolas que mais agradaram na parte visual não foram bem nos chamados quesitos "de chão" (harmonia, evolução, samba no pé, canto dos componentes), e as que honraram suas raízes não apresentaram, de forma geral, alegorias e fantasias à altura daquelas de suas coirmãs.

Havia, também, o elemento financeiro: as prefeituras (e outras fontes, nem sempre dentro da lei) de Niterói, Nilópolis e Duque de Caxias injetaram grana em Viradouro, Beija-Flor e Grande Rio, respectivamente, e as três agremiações abiscoitaram três dos quatro primeiro lugares, com a intrusa Mocidade Independente de Padre Miguel em terceiro.

Mas será que ninguém cantou tão bonito quanto o carnaval que apresentou? A Viradouro cantou. Como sempre, o chão de Niterói chegou à Sapucaí se esgoelando, e o belo e simples refrão "Oh, mãe, ensaboa, mãe, ensaboa, pra depois quarar" —ajudado pela bateria do veterano mestre Ciça, que, em suas paradinhas, liderava o coro de dezenas de milhares de vozes— foi, de longe, o que mais alto se ouviu na Sapucaí (verdade seja dita: a Vila Isabel também teve luxo e samba no pé, mas seu enredo exaltando Brasília, a "joia rara prometida", a partir do ponto de vista dos índios, não foi bem recebido por público nem por jurados).

A história do segundo título da Viradouro (o primeiro foi o de 1997, o da paradinha funk de Mestre Jorjão e do big bang de Joãosinho Trinta) começa em 2010, quando o enredo patrocinado "México, o paraíso das cores, sob o signo do sol" levou a alvirrubra a um rebaixamento que parecia impensável quando, turbinada pelo dinheiro da contravenção, ela surgiu como um furacão no Grupo Especial, no início dos anos 1990 (de 1949 a 1985, desfilou em sua Niterói natal, sendo multicampeã).

Sem grana, a Viradouro contou com seu chão para gramar por sete carnavais na Série A (a segunda divisão do carnaval carioca), com direito a um rápido bate-e-volta no Especial em 2015, e se estruturar. Quando a verba reapareceu, a volta foi avassaladora: campeã do acesso em 2018, vice do Especial em 2019 (com "Viraviradouro", do carnavalesco popstar Paulo Barros) e, finalmente, campeoníssima em 2020.

A escolha do enredo, "Viradouro de alma lavada", sobre as Ganhadeiras de Itapoã, bravas mulheres negras da Bahia que lavavam roupa e cantavam até comprar sua alforria, se mostrou precisa. Bahia, música, História, raça, poder feminino, uma equação que dá em CARNAVAL, em maiúsculas, sem o engajamento de uma União da Ilha (que tanto protestou que se esqueceu de sambar e acabou rebaixada), mas sem, tampouco, a alienação de uma Vila Isabel.

Veja os melhores momentos do desfile da Viradouro

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A escola apostou na jovem dupla de carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, casados, expoentes da brilhante geração que tem também o bicampeão Leandro Vieira, da Mangueira, e a dupla Gabriel Haddad-Leonardo Bora, da Grande Rio. Tarcísio e Marcus aproveitaram as belezas da Bahia —e a grana de Niterói— para montar um desfile de alto luxo. Combinado ao samba dos veteranos Cláudio Russo, Paulo César Feital, Diego Nicolau e parceiros, e à bateria de Ciça, a Viradouro correu por fora na apuração, mas acabou virando sobre Beija-Flor e Grande Rio e levando o caneco para o lado de lá da ponte.

E o que estavam as escolas de Nilópolis e Caxias fazendo ali? Badaladíssima no pré-carnaval por "Tatalondirá", enredo que contava a vida do pai de santo Joãozinho da Gomeia, a Grande Rio tinha na dupla Haddad-Bora seu grande trunfo, ao lado do samba, possivelmente o melhor do ano. Na avenida, tudo se cumpriu, menos o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio: a escola, mais uma vez, não soube ser grande, e sua performance perdeu preciosos pontos nos quesitos de chão.

E a Beija-Flor? Estava apenas sendo Beija-Flor, aquela maravilhosa e soberana, como diz um samba-exaltação, que, mesmo com um enredo de leitura impossível, sobre as ruas e vias que a Humanidade percorre desde tempos imemoriais, tem o respeito dos jurados e volta e meia acaba campeã sem merecer.

O resultado, de forma geral, foi justo, mas alguns ajustes poderiam ser feitos: a Mocidade levou o bronze no carisma da homenageada Elza "Deusa" Soares, porque suas alegorias estavam entre as mais feias do Carnaval; a "uberbadalada" Mangueira foi punida com o sexto lugar, talvez porque a expectativa fosse, com trocadilho, bíblica; mais uma vez, escolas menores, como São Clemente e Estácio, acabaram abaixo do que mereciam. O corpo de jurados trabalha cada vez melhor, mas ainda falta olhar menos as bandeiras e mais os desfiles.

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