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Recife e Olinda

Bloco de mulheres com seios à mostra exalta feminismo libertador em Olinda

Desfile do bloco Vaca Profana em Olinda - Thiago Brandão/ UOL
Desfile do bloco Vaca Profana em Olinda Imagem: Thiago Brandão/ UOL

André Soares

Colaboração para o UOL, em Olinda

25/02/2020 07h00

Em um país em que os registros de feminicídio crescem enquanto o avanço do conservadorismo tenta impedir a discussão de pautas progressistas, o fato de um bloco como o Vaca Profana conseguir ir às ruas de Olinda neste Carnaval é libertador.

E foi em clima de libertação que cerca de 5 mil pessoas marcaram presença sob o sol escaldante da cidade a partir das 13h da segunda-feira (24) para a concentração que aconteceu no Sítio de Seu Reis, no Carmo.

As duas horas de atraso para a saída anunciada e os políticos que espalharam anúncios em defesa da família brasileira não atrapalharam em nada a força das folionas, que desfilaram pelo quinto ano sob o comando da produtora cultural Dandara Pagu.

Policiamento

Dias antes do cortejo, a deputada Clarissa Tércio (PSC) emitiu um recado por meio de suas redes sociais afirmando que havia protocolado um pedido de policiamento para que a mulher que estivesse com os seios à mostra durante o evento fosse conduzida à delegacia.

O marido de Clarissa, o Pastor Júnior Tércio, candidato a vereador no Recife, publicou um vídeo em seu perfil no Instagram pregando o "respeito à família brasileira" e afirmando que o bloco era uma "safadeza".

Mas a ideia de promover um dia de liberdade para as mulheres fez com que o bloco só crescesse, segundo Dandara. Ela decidiu criar o evento em Olinda depois de sofrer violência policial por estar com os seios à mostra durante um Carnaval.

'Mar de mulheres'

No desfile da segunda, não havia clima de assédio aparente. Do Sítio de Seu Reis, onde acontecia uma prévia para ajudar no pagamento da produção, um "mar" de mulheres em maioria esmagadora percorreu uma pequena parte da rua Sigismundo Gonçalves em direção à beira-mar de Olinda enquanto a organização controlava os primeiros sinais de qualquer tipo de exaltação.

Desfile do bloco Vaca Profana em Olinda - Thiago Brandão/ UOL - Thiago Brandão/ UOL
Imagem: Thiago Brandão/ UOL

Elas gritavam "homens na calçada" para que só as mulheres caminhassem juntas, em um momento que tornava até o ato de fotografar mais complicado para que não houvesse exposições negativas. Era só ensaiar levantar a câmera para que um coro em uníssono gritasse "abaixa essa câmera".

Animada com frevos clássicos tocados por uma orquestra composta por 30 mulheres, uma imensa roda se formou. Dandara portava o estandarte do bloco e entoava um jogral, emocionando as presentes, que já não tinham mais desconfianças ao exibir seus corpos em um ato libertador.

Desfile do bloco Vaca Profana em Olinda - Thiago Brandão/ UOL - Thiago Brandão/ UOL
Imagem: Thiago Brandão/ UOL

Uma delas era Camila Rollemberg, moradora de São José do Rio Preto (SP), que estava em Olinda pela segunda vez. Ela e um grupo de mulheres se inspiraram na música "Xanalá", de Gaby Amarantos e Duda Beat, e criaram fantasias baseadas no órgão sexual feminino. "Aqui tem nosso clitóris brilhante, que é nossa fonte de prazer. É a nossa força", afirma.

Incentivo ao ódio

Para a professora de direito e advogada Liane Cirne Lins, diante de um cenário de ódio e perseguição contra as minorias, a atitude da deputada foi irresponsável e pode incentivar qualquer tipo de ação e constrangimento contra as mulheres.

"Com a notícia da deputada, nós fizemos um requerimento ao governador do Estado explicando que está sendo discutida a inconstitucionalidade do artigo 233 porque ele não estabelece uma conduta específica. A arbitrariedade fere o princípio da reserva legal, então o policial pode entender como quiser", explica Liane. Ela afirma que o pedido para que fosse enviada força policial feminina para acompanhar o bloco à distância foi atendido.

Desfile do bloco Vaca Profana em Olinda - Thiago Brandão/ UOL - Thiago Brandão/ UOL
Imagem: Thiago Brandão/ UOL

"De fato, chegou policiamento que não foi apenas de mulheres, mas quem ficou à frente foram as policiais. Isso é uma vitória para uma ação que era de repressão e virou de tutela. O nosso país é o 5º com o maior número de feminicídios do mundo e os casos de violência contra a mulher crescem 20% durante o Carnaval. É necessário respeitar a mulher em qualquer condição", resume a advogada.

O artigo 233 prevê pena de três meses a um ano de prisão, ou multa, a quem praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público.

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