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Acampamento e filhos no colo: a vida dos ambulantes no Carnaval de Salvador

Aurélio Nunes

Colaboração para o UOL, em Salvador (BA)

24/02/2020 08h47

Vitor Hugo Chimelis, 33, e Débora de Matos, 26 são apaixonados pelo Olodum. Uma paixão que o casal estampa na pele, com tatuagens da marca do bloco de Carnaval - ele na panturrilha esquerda, ela no peito. Mas este ano eles trocaram o desfile do bloco por um isopor carregado de cerveja, água e refrigerante. É dos R$ 600 que pretendem lucrar com as vendas do Carnaval que os pais de Pérola Vitória pretendem comprar uma cama ou um guarda-roupa. A pequena filha, de apenas um ano e dois meses de idade, acompanha os pais na residência provisória da família, a lona de uma barraca emprestada por outra ambulante.

Moradores de Cajazeiras, eles não têm tempo nem dinheiro para fazer o deslocamento diário para casa e por isso estarão acampados no canteiro central da Avenida Centenário, na Barra, até a Quarta-feira de Cinzas. Uma realidade comum a boa parte dos ambulantes que trabalham no Carnaval de Salvador. Tão comum que os três abrigos que recebem crianças em situação de risco ou de exploração (sexual ou de trabalho infantil) especialmente montados para o Carnaval iniciaram suas atividades este ano quatro dias antes da abertura oficial da festa porque muitos ambulantes chegam mais cedo para guardar lugar nos pontos de maior movimento.

Oficialmente, a Prefeitura de Salvador distribuiu 4 mil credenciais para os ambulantes este ano, mas assim como o casal Vitor e Débora, a maioria dos que estão fora da área do circuito oficial não possui a licença. É o caso de M.S.S.O., de 17 anos, que trabalha na barraca de coco do pai ao lado da namorada Carla Souza Silva, 19. Ele dorme sob a lona da própria barraca, enquanto ela, grávida de sete meses, vai e volta diariamente para casa, no Bairro da Paz, de ônibus e metrô.

"Meu pai me traz uma muda de roupa limpa todo dia junto com o carregamento de coco que ele compra na Feira de São Joaquim", explica o rapaz, que paga R$ 2 pelo banho de chuveiro em uma casa nas proximidades que fornece o serviço a outros ambulantes.

No caso do catador de material reciclável Márcio Reis Farias, 44, morador de Periperi, o asseio diário é realizado nas águas do mar da praia do Farol da Barra. Mais sorte que ele tem o colega de profissão Álvaro Paixão Vasconcelos, 54, que mora perto, na Vasco da Gama, e tem condições de ir pra casa todo dia.

Ambulantes - Soraia Carvalho/UOL - Soraia Carvalho/UOL
Imagem: Soraia Carvalho/UOL

Na fila da Camapet, cooperativa que compra o as latinhas que Márcio, Álvaro e seus colegas de ofício recolhem diariamente pelo circuito, havia quatro crianças por volta das 23 horas deste domingo, 23. Um deles era Jonathan, 6, que guardava lugar na fila empurrando um enorme saco de plástico carregado de garrafas pet que seriam compradas pela Camapet a 50 centavos o quilo. Ele sabia que precisava esperar a mãe, já que a Camapet não negocia com menores de idade. O que não impede Jonatan de fazer o que chama de seu trabalho. "Eu sou mais baixo e mais rápido que a minha mãe pra fazer o serviço", explicou, com naturalidade.

Ambulantes 2 - Soraia Carvalho/UOL - Soraia Carvalho/UOL
Imagem: Soraia Carvalho/UOL

Situações como as relatadas nesta reportagem desafiam as campanhas de combate ao trabalho infantil no Carnaval. Os canais de comunicação abertos pelo Ministério Público do Trabalho registraram em 2019 um aumento de 38% das denúncias no período da folia pelo Disque 100.

Na Capital Baiana, desde 2013 as denúncias são encaminhadas ao Plantão Integrado, rede composta por órgãos públicos e entidades do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) criada para atender demandas de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, tais como Ministério Público, Defensoria Pública, Juizado da Infância e Adolescência e o próprio MPT, entre outras.

Parte dos casos é encaminhada a um dos cinco Postos de Abordagem Social (Ondina, Piedade, Campo Grande, Centro Histórico e Barra), que são responsáveis pelo trabalho de sensibilização e acolhimento das crianças num dos três abrigos da Prefeitura (Jardim Apipema, Rio Vermelho e Garcia).

"No primeiro dia deixamos nossa filha com uma vizinha, mas ela não se adaptou. Agora a prefeitura quer que a gente leve ela para o abrigo, mas não tem vaga", diz Vitor Chimelis, justificando a presença da pequena Pérola Vitória no colo da mãe, a pouco mais de 300 metros de distância de um dos centros de abordagem. O supervisor geral do estande da Barra do serviço, Tainã Magalhães Miranda, contesta a informação. "Os três abrigos juntos comportam 400 crianças em espaços com profissionais especializados".

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