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Mulher na vara, Bumba meu Bowie e a criatividade sem fim dos blocos em PE

Bloco Bumba meu Bowie foi criado em 2016 - Divulgação
Bloco Bumba meu Bowie foi criado em 2016 Imagem: Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/02/2020 04h00

A criatividade sempre foi uma marca do Carnaval. No Recife e em Olinda, os blocos de rua usam e abusam de nomes diferentes e lúdicos para atrair público. E sim, eles são muitos, atraem multidões nos dias de folia nas ruas pernambucanas e chamam a atenção por sua originalidade.

O "Pife Floyd", por exemplo, uniu os nomes da banda britânica Pink Floyd e do pífano —instrumento rústico parecido a uma flauta. O bloco toca sons do Pink Floyd e de outras bandas internacionais, com uma orquestra de pífano. Este ano, o bloco sai no sábado de Carnaval, às 12h, na travessa São Francisco, em Olinda.

Há também protesto nos nomes dos blocos. Um deles foi batizado de "Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista". A ideia é fazer uma crítica à excessiva verticalização sem planejamento urbano no Recife, que atrapalha o visual de rios e da arquitetura antiga da capital pernambucana.

Há outros conhecidos, como "Hoje a Mangueira Entra", "John Travolta", "Metido a rico, porém liso", "I love cafusú." Até poucos anos atrás, o "Arriando sua Sunga", um trocadilho ao nome do escritor paraibano Ariano Suassuna, era um sucesso nas ladeiras de Olinda.

Mulher na Vara desde 1993

Um bloco já bem conhecido em Olinda é o "Mulher na Vara". Segundo o organizador Lucio Genú, a ideia surgiu no Carnaval de 1993, quando uma amiga machucou o pé e não pôde subir e descer ladeiras atrás das troças.

"Para que ela não ficasse excluída da folia, alguns amigos providenciaram um galho de relativa resistência e, com ela sentada sobre a vara, e a vara sobre seus ombros, continuaram a brincadeira de acompanhar os blocos. Em determinado ponto, uma criança intrigada com a cena apontou para o grupo e gritou algo como: 'olha lá, uma mulher na vara'. Os meninos gostaram da sugestão e, em 1994, a Marim dos Caetés ganhava uma nova troça com estandarte, orquestra e uma brincadeira", conta.

O bloco desfila, desde então, todas as manhãs de segunda-feira do Carnaval e é tratado pelos organizadores como "a vara mais querida do Brasil."

Uma das brincadeiras famosas do bloco é oferecer a oportunidade de foliãs surfarem em um pedaço de bambu. "Elas fazem isso a quase dois metros do chão e em total segurança. Em cerca de duas horas de desfile, carregamos centenas de mulheres que fazem questão de registrar o momento e divulgar em suas redes sociais. Isso explica o sucesso do bloco", diz.

Quanto ao nome, apesar da sua origem lúdica, o organizador relata que as pessoas confundem com um suposto trocadilho machista. "O bloco tem a intenção de oferecer o protagonismo da brincadeira às mulheres e de apoiar as campanhas de empoderamento feminino e de combate ao assédio no Carnaval. Temos sofrido queixas de pessoas desinformadas, que relacionam o nome da troça a uma suposta brincadeira machista. A essas pessoas, deixamos o convite para a próxima segunda-feira", conta.

O bloco deve sair à 10h na rua da Boa Hora, em Olinda.

Bumba meu Bowie

Um outro bloco que ficou famoso é mais recente: trata-se do Bumba meu Bowie, criado em 2016 por cinco amigos.

"Esse trocadilho entre Bumba Meu Boi e Bowie já existia antes, talvez em camisetas. Já tínhamos visto em algum lugar. O que fizemos foi concretizar isso em forma de bloco, com a proposta de estimular as pessoas a irem fantasiadas para o Carnaval, já que David Bowie é uma fonte inesgotável de inspiração para fantasias", conta o jornalista Júlio Cavani, que criou o bloco junto com quatro amigas.

A ideia, porém, não é tão recente. "Tivemos a ideia inicial para essa troça há uns dez anos, mas resolvemos concretizar em 2016, quando David Bowie morreu. A repercussão da morte dele deve ter impulsionado bastante o público, no primeiro ano, pois as pessoas viram ali uma oportunidade de fazer uma homenagem a ele. Acho que a proposta do bloco, de trazer o universo cultural de Bowie para o Carnaval, foi o que atraiu mais pessoas, mas o nome também pode ter influenciado", revela.

Enquanto isso, na Sala de Justiça

Sucesso em fantasias, o "Enquanto isso na Sala de Justiça" já virou um marco aos domingos de Carnaval no Alto da Sé. O bloco surgiu em 1995.

"Essa ideia foi de um amigo nosso que era produtor em Olinda. A ideia inicial era fazer um bloco para a gente sair fantasiado e acompanhar os blocos infantis. Mas a gente disse a ele: não, a gente não vai seguir, vamos fazer o nosso roteiro", explica Eduardo de Melo, um dos fundadores e responsáveis hoje pelo bloco, explicando que o nome passou por um, digamos, debate do grupo.

"Várias pessoas deram nome ao bloco, mas esse meu amigo só queria 'Sala da Justiça'. Mas a gente escolheu dar o nome "Enquanto isso na Sala de Justiça", porque era o nome que aparecia no desenho, de uma cena para a outra", lembra.

O sucesso do bloco, acredita Araújo, não veio só pela criatividade no nome. "Quando a gente resolveu fundar, havia muito mela-mela na cidade, e havia muita dificuldade para sair fantasiado por conta disso. E as pessoas foram perdendo o hábito de se fantasiar, e o bloco deu uma contribuição muito forte. Creio que ele veio para preencher uma lacuna na cidade", conclui.

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