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Bloco do Beco mistura samba e ação social e lota ruas da periferia de SP

Marcelo Freire

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/02/2020 19h28

Uma roda de samba tradicional anuncia o começo do Bloco do Beco, no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo, na tarde nublada deste sábado (23). A cerca de 15 km da Praça da Sé e longe do fervor de blocos centrais como Tarado Ni Você, o Bloco do Beco é o ponto de encontro do carnaval na região, atraindo também foliões de bairros vizinhos como o Jardim São Luiz e o Capão Redondo.

Em 2020, o Bloco do Beco faz seu 18º desfile. "Ele completou a maioridade", brinca "Doutor" Ney Bezerra, 61, sambista e um dos fundadores.

O bloco nasceu como parte das festas do pentacampeonato da seleção brasileira, em 2002, para se tornar um coletivo cultural e social da região, promovendo oficinas de capacitação profissional, aulas de esporte para crianças e se estabelecendo como uma referência de cidadania para a comunidade.

"O Bloco do Beco forma cidadãos por meio da arte e da cultura, que dão consciência ao cidadão, cultivando o que você aprende e te ajudando a entender o meio que você está", define Bezerra. "Aqui congrega todo tipo de tribo."

O símbolo da comunidade

A ligação do Bloco do Beco com a comunidade fica evidente também na diversidade do público, cuja maior parte é da própria região. São jovens, idosos e muitas famílias.

"Hoje eu estou trazendo meu filho", diz o chef de cozinha Rafael Correa, do Jardim São Luiz, ao lado de Caíque, 10 anos. "Já fui em blocos maiores, mas não tenho segurança de levar a ele. Aqui é mais seguro e é no próprio bairro, posso encontrar todo mundo", diz ele, junto com três amigos, vestido com uma fantasia que faz alusão a Lá Casa de Papel.

A facilidade de ter um bloco próximo de casa, sem precisar gastar muito tempo e dinheiro com transporte até o centro e ainda encontrar vários conhecidos é sem dúvida uma das grandes vantagens do Bloco do Beco para os moradores da região. Mas o ponto que os frequentadores mais apontam como fundamental para a comunidade é sua importância social.

"Meu filho faz capoeira e judô lá. Tenho total apoio deles, é uma entidade muito boa e eu só tenho a agradecer", afirma

Luís Carlos Freinas, motorista de aplicativo que hoje está fantasiado de jacaré, distribuindo balas e pirulitos para as crianças. O mais importante disso tudo é a união da comunidade" resume.

Um dos símbolos musicais do Jardim Ibirapuera é Francisco Miguel de Paula, 83, conhecido como "Escurinho do Acordeão". Mineiro de Viçosa, ele está há 60 anos radicado no bairro - um pouco menos do que a idade do seu acordeão, que ele comprou na década de 1950 no Rio de Janeiro.

"Ele funciona muito bem. Toco de tudo nele: Baião, forró, samba, sertanejo, o que precisar", brinca Francisco. Para ele, que puxa a frente do trio pelas ruas do bairro, o Bloco do Beco é o grande símbolo da alegria que está expressa no samba e na sua comunidade. "Ele é importante para toda morador do Jardim Ibirapuera."

Apesar do predomínio dos moradores, há também visitantes de outras regiões. A fotógrafa Julia Dolce, moradora do centro, é uma delas. "Muitos amigos meus indicaram e achei que era legal conhecer. A 'vibe' é diferente dos blocos do centro: muitas famílias, tem o pessoal que mora aqui... Acaba sendo mais divertido do que no centro. Gosto desse carnaval que junta pessoas diversas."

Capacitação e empoderamento

São três horas de percurso entre as subidas e descidas das ruas do Jardim Ibirapuera, com uma multidão acompanhando o caminhão de som na rua e outras tantas assistindo das varandas, escadas e lajes das casas.

Muitos sorrisos, celulares em mão filmando a festa, espuma, confete, cerveja e muito samba - tantos aqueles tradicionais de escolas de samba de São Paulo e Rio de Janeiro quanto outros próprios do Bloco do Beco.

Agora "maior de idade", o Bloco do Beco já tem sua produção dominada por jovens de 20 poucos anos que cresceram desfilando no bloco. É o caso de Lennon, o mais novo mestre de bateria, de Bella, a nova presidente da ONG, e de Sabrina Lana, que participa da produção do evento. "Eu nasci aqui, fui morar em Interlagos e o Bloco do Beco me acolheu quando eu voltei, com 15 anos", conta Sabrina Lana, 23, da organização.

Ela conta que fez uma oficina cultural, e que daí nasceu um coletivo que montou um sarau só com artistas locais. "As pessoas podiam ler seus poemas e se apresentar", lembra ela, que começou a se especializar na produção de eventos.

Para ela, o Bloco do Beco trouxe empoderamento. "Foi aí que eu percebo que não precisaria seguir uma carreira tradicional em uma empresa", conta.

"Ver as pessoas do meu bairro que não tem nenhum espaço público de lazer se divertindo em um Carnaval, ou uma festa junina, não tem preço. Não tem como descrever em palavras."

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