Blocolândia desfila pela cracolândia de SP mesmo após PM cancelar
Correu sem problemas o desfile do Blocolândia, formado majoritariamente por usuários de crack e moradores de rua do centro de São Paulo. O desfile havia sido cancelado pela Polícia Militar na manhã de hoje. Os organizadores mantiveram a saída agendada e o desfile aconteceu tranquilamente.
Composto por usuários, trabalhadores do setor e ativistas, o bloco chegou ao seu quinto ano tocando principalmente marchinhas e sucessos populares. Em suas redes sociais, declara que realiza a redução de danos, uma vez que "enquanto o Carnaval acontece, os cachimbos são trocados por purpurina e serpentina".
A Polícia Militar publicou o cancelamento no Diário Oficial do município hoje, mesmo dia do desfile, sem aviso prévio ou justificativa. Pega de surpresa, a organização decidiu prosseguir com seu plano.
Disputa pela festa
"Faça chuva ou faça bomba, vamos sair", declarou Raphael Escobar, 32, um dos organizadores.
Duas horas antes da saída, ainda durante a concentração, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) se posicionou para impedir o desfile. A intervenção de dois vereadores foi fundamental. Soninha Francine (Cidadania) estava no local e mediou diálogo com a guarda, enquanto Eduardo Suplicy (PT) agiu à distância, cobrando posição da prefeitura e do governador João Dória (PSDB).
Pouco depois a GCM mudou sua posição e saiu da frente do bloco, que saiu.
A concentração do Blocolândia acontece na rua Helvétia, um dos centros da chamada cracolândia. "Mas é o bloco mais seguro de São Paulo. E o mais careta", diz uma foliã fantasiada de Coringa.
"É o mais seguro porque roubar aqui tem consequências. Não acontece. E o mais careta porque ninguém tem dinheiro para comprar nem catuaba", descreve a mulher, que não quis se identificar.
De fato, há três anos, o jornalista Sato do Brasil foi assaltado no Blocolândia. Levaram o iPhone com que realizava a cobertura. "Não durou cinco minutos, nem deu tempo de entrar em choque e o telefone apareceu de volta na minha mão", relata Sato, que também é um dos criadores do bloco.
Arte na rua
Outro membro ilustre desta agremiação carnavalesca é Índio Badaross, artista de 43 anos que há 23 vive nas ruas da metrópole e também fundou o bloco. Ele pinta, vendeu uma tela enquanto conversava com a reportagem do UOL, mas seu dinheiro mesmo vem da reciclagem. A comissão de frente do Blocolândia é formada por sua carroça, que funciona tanto como carro de apoio quanto como mesa de som.
Além disso, Badaross fala em elipses: "Este Carnaval é uma passagem de fantasia, as pessoas reunidas trocando sorrisos, o bem e o mal são fantasias que moram lado a lado e cada um veste a sua. A única verdade é o respeito", diz o comissão de frente.
É viciado em crack há 23 anos e já realizou exposição individual dentro da programação do Centro Cultural São Paulo, entre muitas outras. Garante que não fuma desde que o primeiro pandeiro do bloco tocou, seis horas atrás. "Essa energia, essas pessoas inteiras, isso me tirou a fissura, quero festa, vem beber cerveja comigo", declarou.
Purpurina rosa dos pés à cabeça, Badaross abraça a reportagem e dá recado emocionado: "Eu vivo amor todos os dias, quando não tenho tela para pintar eu me dou banho de tinta para não machucar alguém. Sou o pior palhaço do mundo, deixo todo mundo rindo e eu chorando por dentro, mas isso também é amor".
Parte fundamental do Blocolândia é a relação entre os usuários e moradores com os profissionais, artistas e educadores que mantém trabalham há anos na região. "A construção é de longo prazo", avalia Escobar. "Se a gente fosse a Zona Oeste baixando aqui do nada, daria ruim, como já aconteceu", diz, referindo à região mais badalada do Carnaval paulistano.
No fim das contas, a Polícia Militar não apareceu. Nem mesmo para realizar a escolta mínima exigida para blocos de Carnaval. A CET, que deveria abrir o trânsito para o desfile, também se ausentou. Presentes estavam apenas a varrição pública e a Secretaria de Cultura do município, além dos vereadores já citados.
Em nota, divulgada por sua assessoria de imprensa após o desfile consumado, a Secretaria de Segurança Pública de SP disse apenas que "sugeriu ao poder público municipal a não realização, em razão do risco que a aglomeração pode levar às pessoas em situação de vulnerabilidade".
Eduardo Suplicy, com glitter dourado no rosto, ouviu esta resposta e rebateu: "Mas aqui eu só vejo gente dançando, feliz, onde está a tal vulnerabilidade nesta festa?".
Diferente da nota, porém, a publicação do Diário Oficial determina o cancelamento do bloco.
"A polícia mudou de ideia ao longo do dia", avaliou um usuário que escolheu permanecer anônimo. "Houve cobrança e a PM mudou sua posição. Tanto que nem apareceu, sumiu, cadê eles agora?", questionou em meio ao bloco.
Dos mais de 900 blocos de São Paulo, o Blocolândia foi o único cancelado. Sobre essa exclusividade, reflete Escobar: "Muita gente tem raiva em ver usuário de crack se divertindo, incomoda entender que o cidadão mais excluído da sociedade também pode ser feliz, também pode sair do seu gueto e levar arte para todos", conclui.
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