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Após 15 anos, Barroca Zona Sul brilha homenageando rainha quilombola

Máscara de tortura de escravos foi usado pelo segundo casal da Barroca Zona Sul - Ricardo Matsukawa/UOL
Máscara de tortura de escravos foi usado pelo segundo casal da Barroca Zona Sul
Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

Do UOL, em São Paulo

21/02/2020 23h16Atualizada em 22/02/2020 16h24

Abrindo o primeiro dia de desfiles em São Paulo, Barroca Zona Sul voltou à elite do Carnaval paulistano em 2020 depois de 15 anos. Na avenida, o que se viu foi um desfile engajado, homenageando uma líder quilombola, Teresa de Benguela. A escola tinha um grande objetivo em mente: manter-se entre as principais da capital paulista.

Com o samba-enredo "Benguela... a Barroca Clama a Ti, Tereza", a agremiação contou na avenida a história de uma escrava que veio de Angola e lutou contra o sistema no século 18 no Brasil. Ela foi levada ao Mato Grosso, onde comandou o histórico Quilombo do Quariterê, que existiu entre 1730 e 1795 e contava com uma espécie de sistema parlamentar.

O desfile da Barroca, assinado por Rodrigo Meiners, Rogério Sapo e Yuri Aguiar, foi marcado pela alegria e inventividade, mas nem por isso deixou de ter problemas com harmonia e evolução no fim, tendo de correr para terminar nos 65 minutos regulamentares. Foram 21 alas, 5 carros alegóricos, 2.400 componentes, com a empresária e musa fitness Renata Spallicci estreando como rainha de bateria.

Comissão de frente

Fomos apresentados à Tereza já na comissão de frente. Ela era considerada a rainha do quilombo e, na avenida, ganhou reverência como tal. A personagem entrou cercada de súditos com trajes africanos em um ritual dançante e de toques religiosos/ritualísticos. No ápice da coreografia, usando um longo vestido típico, ela foi erguida a cerca de quatro metros de altura em uma estrutura luxuosa.

Desfiles da Barroca da Zona Sul no Carnaval de São Paulo - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Imagem: Reprodução/TV Globo

Impacto negro

O carro abre-alas chegou chamando atenção. Primeiro pelo tamanho, com 36 metros de comprimento. Depois, pelas representações mostradas na alegoria, com animais de uma áfrica sombria, como uma imensa cobra que soltava fumaça e duas panteras negras africanas. A opressão e a resistência dos escravos também causaram impacto na figura de Tereza.

Desfile da Barroca Zona Sul no Carnaval de São Paulo - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Imagem: Reprodução/TV Globo

Música

Movimento, cores fortes, articulação e um carro de 15 metros de altura, o maior da escola. Esta foi outra alegoria da Barroca a brilhar, simbolizando a fauna da região mato-grossense, com uma cabeça de jacaré giratória na parte da frente e uma luz emanando da garganta. Referências a festa de Parintins, no Amazonas, também moldaram o carro, e a mistura deu samba.

Crueldade das correntes

A apresentação da Barroca Zona Sul provavelmente será lembrada como uma das mais engajadas do ano, com uma crítica contundente à escravidão e às consequências da cultura escravagista na formação nacional. Uma das alas abordou exatamente isso, "Crueldade das Correntes", mostrando coreografia e fantasias que simbolizaram a crueldade do sistema.

Desfiles da Barroca Zona Sul - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Imagem: Reprodução/TV Globo

E esse samba?

Já considerado um dos melhores do Carnaval de São Paulo, o samba-enredo da Barroca trouxe diferenciais: os refrãos vieram em tom menor, como um lamento —não necessariamente triste—, mas com preparação e saída compostos em tom maior, para ressaltar a sonoridade "para cima" e a mensagem da afirmação negra. Um interessante artifício harmônico/conceitual feito pelos compositores.

Leia abaixo o samba-enredo.

Benguela... a Barroca Clama a Ti, Tereza

Compositores Acerola de Angola, André Valencio, Ermino, Jairo Roizen, Marcos Thiago, Morganti, Pixulé, Sukata, Tubino Meiners
Intérprete Pixulé

No caminho do amanhã
Obatalá
É a luz que vem do céu
Clareia
Vem de Benguela o clamor de liberdade
Barroca pede tolerância e igualdade

Axé, Tereza
Divina alteza meu tambor foi te chamar
Sua luz nessa avenida
Incorpora a chama yabá
Da magia irmanada por odé
Não sucumbe a fé, traz a luta de Angola

E a corrente arrastou pro sofrimento
Um sentimento, valentia quilombola
Reluz o ouro que brota em seu chão
Desperta ambição, mas há de raiar o dia
Do Guaporé ser voz de preservação

Em plena floresta
Auê auê
Resistência na aldeia
Quariterê
Na mata, sou mestiço, guardião
O meu grito de guerra é por libertação

O nosso canto não é apenas um lamento
A coragem vem da alma de quem ergueu o parlamento
Do castigo na senzala à miséria da favela
O povo não se cala, oh Tereza de Benguela

Vem plantar a paz por essa terra
A emoção que se liberta
E a pele negra faz a gente refletir
Nossa força, nossa luta
De tantas Terezas por aí

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