Topo

São Paulo

Em festa de 90 anos da Vai-Vai, rivais se unem pela volta à elite

Mestre-sala e porta-bandeira da Rosas de Ouro em festa de 90 anos da Vai-Vai - Marcelo Justo/UOL
Mestre-sala e porta-bandeira da Rosas de Ouro em festa de 90 anos da Vai-Vai Imagem: Marcelo Justo/UOL

Djalma Leite de Campos

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Após o rebaixamento no ano passado, a Vai-Vai passou a enfrentar graves problemas financeiros e um processo por desvio de verbas públicas
  • Milhares de pessoas lotaram as ruas do bairro do Bixiga para celebrar o aniversário da preto-e-branco
  • Representantes de agremiações rivais pregaram a união de forças para recolocar a tradicional escola no Grupo Especial do Carnaval paulistano
  • A lição de que as escolas precisam de mais profissionalismo e de que "grandes também caem" circula entre integrantes e grupos ligados ao Carnaval

Em meio à maior crise de sua história, a escola de samba Vai-Vai escolheu o último domingo, 9 de fevereiro, para comemorar seus 90 anos de existência e unir forças para voltar ao Grupo Especial em 2021.

Fundada em 1º de janeiro de 1930, a tradicional agremiação - dona de 15 títulos no Carnaval paulistano - não conseguiu manter a tradição de celebrar a data na primeira quinzena de janeiro. "Antes... Não tínhamos dinheiro", explicou Fernando Penteado, diretor cultural da escola.

Após o rebaixamento no ano passado, a agremiação passou a enfrentar graves problemas financeiros e um processo por desvio de verbas públicas durante a gestão do presidente Darly Silva, o Neguitão.

União de forças

Apesar da forte chuva que caiu em São Paulo no domingo, milhares de pessoas lotaram as ruas do bairro do Bixiga, na região central, para celebrar o aniversário da preto-e-branco. A festa contou com a presença de passistas e das baterias das escolas Nenê de Vila Matide, Unidos do Peruche, Rosas de Ouro e da carioca Paraíso do Tuiuti.

Cristiano da Nenê, diretor de Harmonia e Fernando Cruz, diretor da Nenê de Vila Matilde, na Vai-Vai - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Cristiano da Nenê, diretor de Harmonia e Fernando Cruz, diretor da Nenê de Vila Matilde, na Vai-Vai
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Em um palco montado na rua São Vicente, as escolas utilizaram os microfones para declarar apoio. O discurso foi unânime: todos os rivais pregaram a união de forças para recolocar a tradicional escola no Grupo Especial do Carnaval paulistano.

"A Vai-Vai nunca devia ter caído. Temos agora é que nos unir neste momento. É a escola de que mais gosto depois da minha própria agremiação", disse Fernando Rosa, diretor de harmonia da Rosas de Ouro.

Fernando acredita que as coirmãs devem buscar meios de dar força para ajudar os sambistas da Bela Vista a enfrentar a primeira queda para o Grupo de Acesso. E até já antecipa uma mudança de hábito do público dos desfiles no Sambódromo.

Nada será como antes

"Tudo será muito diferente sem a presença da Vai-Vai. Sei que todo mundo vai assistir ao desfile de domingo, dia em que eles vão se apresentar. Eu, claro, também vou assistir."

Para Fernando Cruz, diretor de harmonia da Nenê de Vila Matilde, a volta da Vai-Vai à elite é uma necessidade urgente para resgatar a força das escolas tradicionais. "Eles têm de voltar para colocar ordem no Carnaval paulistano. Estou muito chateado com tudo isso."

Fernando Rosa, diretor de harmonia da Rosas de Ouro, na Vai-Vai - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Fernando Rosa, diretor de harmonia da Rosas de Ouro, na Vai-Vai
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Ao lado dele, Cristiano da Nenê, diretor de bateria da escola da zona leste de São Paulo, engrossa o coro: "Somamos [estamos juntos] com eles até o fim".

Mudanças no Carnaval de SP

Ainda assustados com o inédito rebaixamento da grande rival, os sambistas explicam que a difícil situação da Vai-Vai mudou a estrutura das escolas da cidade. E, além de manter a união, eles também acreditam que é preciso fazer uma autocrítica.

A lição de que as escolas precisam de mais profissionalismo e de que "grandes também caem" circula entre integrantes e grupos ligados ao Carnaval.

"É um momento triste que nossa coirmã atravessa, mas é muito importante para o samba. Vamos no unir, e isso tem muito a ver com o nosso enredo deste ano ["Ubuntu - Por Um Mundo Novo"]: 'Ninguém larga a mão de ninguém. Precisamos nos unir!'", analisou Leo Reis, intérprete da Unidos do Peruche.

De volta às raízes

O puxador acredita que o samba precisa retomar suas raízes e recuperar tradições. "É bom termos enredos patrocinados por empresas, mas temos que voltar a falar do nosso povo".

"Já passamos por isso há dois anos. E quando gigantes como Vai-Vai e Tuiuti caem, é preciso mostrar a força das nossas comunidades e das raízes das escolas", disse Junior Schall, diretor de Carnaval da Paraíso do Tuiuti, que caiu em 2017, mas teve o rebaixamento cancelado pela liga do Carnaval carioca.

O dirigente fluminense também reforçou a necessidade de unir forças para reerguer a agremiação paulista. "Não podemos perder as referências. No samba, a gente tem de fazer as coisas juntos", disse Schall.

Segundo ele, uma das receitas para dar a volta por cima também passa pela escolha de um grande enredo e pelo respeito aos sambistas da comunidade. "O protagonismo sempre é do componente".

"Pé no chão e perseverança"

Na barraca de bolos de Dona Niltes Lopes, 64, coordenadora de eventos da comunidade de samba, a palavra união também é o lema deste ano. Há cinco décadas ligada à escola, ela diz que a crise aproximou ainda mais as pessoas.

"Precisamos de união, pé no chão e perseverança. Temos de sair do grupo de acesso! Não vai ser um simples desfile", completou.

Niltes Lopes em festa de 90 anos da Vai-Vai - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Niltes Lopes em festa de 90 anos da Vai-Vai
Imagem: Marcelo Justo/UOL

A festa dos 90 anos da Vai-Vai terminou com a apresentação de uma seleção de sambas-enredo e toda a comunidade entoando os versos de "Maria Maria", de Milton Nascimento ("É preciso ter força, É preciso ter raça, É preciso ter sonho sempre") e o enredo "Simplesmente Elis - A Fábula de uma Voz na Transversal do Tempo" (2015).

A Vai-Vai é a última escola a se apresentar no Grupo de Acesso 1, a partir das 4h da manhã do domingo, 23.

São Paulo