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Leo Dias

Irreverência de carnavalesco gera expectativa para desfile da São Clemente

Jorge Silveira da São Clemente - Reprodução/Instagram
Jorge Silveira da São Clemente Imagem: Reprodução/Instagram

05/02/2020 17h32

Fugindo da mesmice que tomou conta das escolas de samba do Rio, a São Clemente, única escola da Zona Sul carioca no Grupo Especial, deixou de ser considerada uma "escola iô-iô" e passou a figurar entre os desfiles mais aguardados da Sapucaí. O estilo irreverente do carnavalesco Jorge Silveira, um dos mais jovens da folia, tirou de vez da agremiação o medo anual de ser rebaixada e a colocou num patamar liberdade atrativo até para grandes artistas da televisão, como Marcelo Adnet.

O enredo deste ano é prova da ousadia: "O Conto do Vigário" vai levar para a Sapucaí uma série de elementos históricos e atuais que mostram como o brasileiro cai, com frequência, numa mentira bem contada. Grande parcela da crítica é destinada à classe política e sua credibilidade cada vez menor. A possibilidade de bancar esse discurso tem motivo: embora invista em seus desfiles, a diretoria da escola não elege como seu único foco a vitória na Quarta-feira de Cinzas. A preocupação reduzida com um campeonato faz com que ousar, mesmo que isso possa incomodar parte dos jurados, não seja um sonho impossível.

O projeto de Silveira para a São Clemente deixou espaço este ano para criações envolvendo menções a todo tipo de trapaça: dos esquemas com laranjas para desviar dinheiro público à utilização de notícias falsas para enganar eleitores nas redes sociais.

De olho nessas possibilidades, Adnet resolveu se inscrever com colegas compositores na disputa de samba da São Clemente, ainda no ano passado. Diferentemente de outros famosos que emprestam o nome a essas disputas sem necessariamente colocar a mão na massa, o humorista trabalhou pela própria obra. Além de contribuir na construção dela, participou de etapas eliminatórias, chegou a fazer vezes de puxador e buscou divulgar os versos. Eles falam em "Tem laranja, na minha mão uma é três e três é dez"; "tem marajá puxando férias em Bangu" e "o país inteiro assim sambou, caiu na fake news".

Com a expectativa pelas alegorias e fantasias que vão ilustrar o enredo de Silveira junto com o samba do Adnet, o interesse pelo desfile da São Clemente subiu. A plataforma Google Trends, que registra os interesses dos internautas no mecanismo de busca, mostra por exemplo que o principal assunto relacionado ao nome da escola hoje é o nome de Adnet. Por isso, a presença do artista promete ser um dos pontos altos da apresentação: se nada mudar até lá, ele deverá imitar o presidente Jair Bolsonaro no Sambódromo, com alto potencial para causar polêmica e elevar ainda mais a repercussão na internet das escolhas da São Clemente.

No ano passado, a agremiação já tinha chamado atenção ao criticar os dirigentes do próprio carnaval. Reeditando o enredo "E o samba sambou", de 1990, a São Clemente levou para a Avenida uma comissão de frente representando as sucessivas viradas de mesa nos resultados da apuração que fizeram as escolas de samba perderem a credibilidade com o público na última década. Houve críticas também à perda da essência de tradições, como as alas de baianas e compositores e os casais de mestre-sala e porta-bandeira.

O carnavalesco Jorge Silveira, que chegou a São Clemente em 2018, nunca tinha trabalhado anteriormente no Grupo Especial. A esperança dele era subir da Série A junto com a Unidos do Viradouro, escola na qual começou a chamar atenção do mundo do samba. A vermelho e branco de Niterói, no entanto, resolveu dispensá-lo antes disso: quando a situação financeira melhorou, optou por contratar Edson Pereira (hoje na Vila Isabel) para garantir a transferência para a elite da folia carioca. A troca chateou Silveira temporariamente, mas ele não imaginava que em pouco tempo substituiria Rosa Magalhães, uma das maiores profissionais da festa, na São Clemente e que conseguiria emplacar suas próprias ideias com uma liberdade de criação da qual qualquer artista tem inveja.

Leo Dias