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Anderson Baltar

Viradouro e Portela erram menos e se destacam na primeira noite do Rio

A Portela foi um dos destaques no primeiro dia de desfiles na Marquês de Sapucaí - Júlio César Guimarães/UOL
A Portela foi um dos destaques no primeiro dia de desfiles na Marquês de Sapucaí Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

24/02/2020 06h43

Dificilmente uma escola campeã sairá da primeira noite de desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Desde 1985, apenas seis vezes a vencedora saiu do domingo. E, a julgar pelo desempenho das sete escolas que passaram pela Sapucaí, a chance desta escrita ser rompida é pequena. Numa noite em que muitas escolas erraram, o bom senso recomenda aguardar o desfile de segunda-feira antes de apontar as favoritas ao título.

Viradouro e Portela fizeram os desfiles mais consistentes. Mangueira deixou uma sensação de certo desapontamento, por conta da grande expectativa criada. Por outro lado, a União da Ilha abusou dos erros de evolução, estourou o tempo em um minuto e dificilmente escapará do rebaixamento.

Estácio de Sá

De volta ao Grupo Especial após quatro anos, a Estácio de Sá tinha, como grande trunfo, a carnavalesca Rosa Magalhães, que desenvolveu o enredo "Pedra". Pelo que a escola mostrou na avenida, ficou claro que a experiente carnavalesca não teve as condições financeiras ideais para preparar o desfile. Ainda assim, em várias alas e alegorias se via o estilo inconfundível da artista, que comemorou na avenida os seus 50 anos de Carnaval.

Para uma escola que precisa vencer outras duas concorrentes a fim de se manter no grupo, a Estácio ficou devendo. A evolução foi apenas correta, e o canto foi desigual, com algumas alas cantando e outras passando sem tanto entusiasmo. Algumas fantasias apresentaram problemas de acabamento.

Viradouro

Vice-campeã de 2019, a Unidos do Viradouro apresentou uma dupla de novos carnavalescos: Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira. Os dois passaram com louvor no teste de substituir Paulo Barros e manter a escola de Niterói competitiva. Contando a história das ganhadeiras de Itapuã e toda a riqueza da cultura negra baiana, a Viradouro fez um desfile empolgante e de visual de impacto.

A comissão de frente levou o público ao delírio com uma componente vestida de sereia, que ficava submersa em um tanque d'água. A bateria de mestre Ciça levantou as arquibancadas com um arsenal de paradinhas ousadas e bem ensaiadas. A Viradouro saiu da avenida com a sensação de dever cumprido.

Mangueira

Uma das escolas mais aguardadas da noite, a Mangueira entrou na avenida com uma comissão de frente impactante. Dentro do espírito do enredo "A verdade vos fará livre", mostrava Jesus e moradores do morro da Mangueira sofrendo com a violência policial. Porém, ao longo do desfile, a escola foi perdendo um pouco do seu vigor. O bom samba não empolgou, e a escola passou de forma protocolar.

As alegorias e fantasias concebidas por Leandro Vieira, apesar da beleza e do bom acabamento, não seduziram o público. A exceção que confirmou a regra foi o quarto carro, que tinha um imenso Jesus negro crucificado, com o corpo cravado de balas. Depois de tanta polêmica e expectativa, a Mangueira deixou a pista de desfiles dando a impressão de que poderia ter apresentado um cortejo mais empolgante.

Paraíso do Tuiuti

Em seguida, veio o Paraíso do Tuiuti. Com um enredo sobre dom Sebastião, o rei português desaparecido no Marrocos no século 16, e são Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, a escola do bairro de São Cristóvão chamou a atenção pelo belíssimo trabalho plástico do carnavalesco João Vitor Araújo. Outro destaque foi a bateria de mestre Ricardinho, muito precisa e ousada.

Um ponto fraco foi o canto, desigual, com algumas alas mais empolgadas e outras burocráticas. Na metade final, a evolução foi complicada, com uma correria para conseguir cumprir o tempo máximo de desfile. De toda forma, a escola cumpriu com méritos o seu papel. Sensação de 2018, o Tuiuti hoje é uma realidade no Carnaval carioca.

Grande Rio

A quinta escola a desfilar foi a Grande Rio. Contando com dois carnavalescos da nova geração, Leonardo Bora e Gabriel Haddad, mostrou o visual mais conceitual e original da noite. Com alegorias imponentes e abusando da criatividade nas fantasias, a tricolor de Caxias impressionou o público com o uso de materiais rústicos e técnicas como tramado e macramê.

A escola exaltou Joãozinho da Goméia, o rei do Candomblé, cujo terreiro marcou época nos cultos afro-brasileiros. Escorada por um dos melhores sambas do ano, a Grande Rio fez um ótimo desfile de canto. Porém, a evolução foi complicada. O carro abre-alas empacou na entrada do desfile e causou clarões, que se repetiram em outros pontos da pista com a quarta e quinta alegorias.

Por conta de problemas no transporte de alegorias para a Sapucaí, alguns carros também tiveram problemas no acabamento. Pecados que podem tirar a Grande Rio da disputa pelo título inédito.

União da Ilha

A União da Ilha do Governador levou para a Sapucaí o cotidiano das favelas cariocas em um desfile eivado de realismo. Nas alegorias e fantasias predominavam cenas do cotidiano. O abre-alas veio com uma favela gigantesca com dezenas de personagens. Na comissão de frente, crianças eram transformadas em profissionais graças à educação.

Se a estética realista dividia opiniões, a Ilha ia fazendo um bom desfile de chão, com evolução animada e componentes cantando o samba a plenos pulmões. Porém, na metade da pista, o segundo carro da escola empacou e se formou um imenso claro. Sem conseguir tirar a alegoria do lugar, a Ilha ficou cerca de dez minutos parada e sem solucionar o problema de evolução.

Quando o carro andou, uma escolha equivocada: faltando 13 minutos para o tempo-limite, a bateria entrou no segundo recuo e retardou a saída da escola. Enquanto isso, a praça da Apoteose vivia um engarrafamento de carros alegóricos, e os componentes se espremiam entre as alegorias para sair da pista. Em desabalada carreira, a Ilha terminou seu desfile com um minuto de estouro de tempo. Apenas um milagre salvará a tricolor do segundo rebaixamento de sua história.

Portela

O dia clareava quando a Portela entrou na avenida. com o enredo "Guajupiá, terra sem males", a azul e branca apresentou o Rio de Janeiro antes da chegada dos colonizadores portugueses. Indígena como em grandes momentos de sua história, a temática era uma novidade na carreira dos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage.

Abusando das cores cítricas e do bom acabamento, alegorias e fantasias cumpriram bem a sua função. O bom samba-enredo foi cantado pelos componentes e sustentado por uma ótima performance da bateria de mestre Nilo Sérgio. Um problema foi a apresentação do casal de mestre-sala e porta-bandeira, Marlon e Lucinha Nobre —que desfilou representando uma grávida. Em frente à cabine de julgamento, ela chegou a tropeçar.

Com um desfile classudo, a Portela, se não chegou a empolgar o público, pode vir a disputar o título em um ano em que muitas escolas erraram.

Anderson Baltar