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Rio de Janeiro

No Rio, Mangueira emociona, Tuiuti surpreende e Grande Rio enfrenta caos

Anderson Baltar

Colaboração para o UOL, no Rio

12/02/2018 07h09

Após tantas dificuldades no período de preparação dos desfiles, as escolas de samba do Grupo Especial carioca proporcionaram, em sua primeira noite, sensações diferentes ao público que compareceu à Marquês de Sapucaí.

Inevitável falar da emoção e do desabafo promovidos pela Mangueira que, com um enredo de contestação à postura do prefeito Marcelo Crivella, transformou a avenida em uma verdadeira filial do Cordão da Bola Preta e fez um desfile solto e contagiante. Outra sensação foi a surpresa ao ver o Paraíso do Tuiuti, que não foi rebaixado em 2017 por conta de uma virada de mesa, arrebatar a avenida com seu enredo panfletário sobre os 130 anos da Lei Áurea.

E a decepção também foi a tônica a noite, especialmente para os torcedores da Acadêmicos do Grande Rio, que pisou na Sapucaí como favorita e saiu ameaçada pelo rebaixamento após um desfile caótico e totalmente comprometido com a quebra de seu último carro alegórico.

Paraíso do Tuiuti entra na avenida perguntando "Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?" - Bruna Prado/UOL - Bruna Prado/UOL
Ala da Paraíso de Tuiuti ironizou as manifestações pelo impeachment
Imagem: Bruna Prado/UOL

Crise e luxo

Após oito anos no Grupo de Acesso, o tradicional Império Serrano abriu a noite e fez um desfile em que a emoção transbordava no olhar e no canto de cada componente. Exaltando a China, a verde e branco, nove vezes campeã do Carnaval, apostou todas as fichas nos chamados quesitos de chão para tentar se manter entre as grandes. O bom samba-enredo funcionou e a bateria de mestre Gilmar foi bastante precisa. Os carros alegóricos e fantasias, apenas corretos, deixaram claro que a escola não teve condições financeiras de fazer um Carnaval de maior apelo visual.

Como diz o refrão do samba, a escola fez o povo matar a saudade de vê-la no desfile principal. Porém, a tarefa será difícil, principalmente porque a escola errou na cronometragem e encerrou seu desfile com 63 minutos - dois a menos do que o mínimo necessário. Com isso, o Império começa a apuração com menos dois décimos.

Exaltando os 200 anos da Escola de Belas Artes, a São Clemente apostou em um visual suntuoso para abrir seu desfile. A proposta do carnavalesco Jorge Silveira era promover o cruzamento do acadêmico com o popular, contando a história da arte brasileira pelo olhar dos artistas formados pela tradicional escola.

O último setor homenageou carnavalescos que foram egressos da instituição e revolucionaram o Carnaval, como Fernando Pamplona, Rosa Magalhães e Maria Augusta. Se o enredo foi bem contado, a escola deixou a desejar nos aspectos de canto e dança. Excessivamente fria, a São Clemente desfilou de forma burocrática e o samba não rendeu. Uma situação preocupante para a apuração.

Abusando da tecnologia, Paulo Barros, juntamente com Paulo Menezes, elaborou um desfile repleto de efeitos especiais para a Unidos de Vila Isabel. Contando a história das invenções sob o olhar da busca do ser humano pelo futuro, a Vila Isabel apostou no LED em vários carros alegóricos e até na saia da porta-bandeira Denadir. A impressão que a Vila passou foi a de uma certa monotonia com soluções muito semelhantes para suas alegorias e fantasias. O samba, apesar do andamento acelerado da bateria, não empolgou seus componentes --muitos incomodados pelo tamanho das fantasias.

Vila Isabel faz uma viagem no tempo para mostrar as descobertas da humanidade até os dias de hoje - Júlio César Guimarães/UOL - Júlio César Guimarães/UOL
Vila Isabel fez uma viagem no tempo para mostrar as descobertas da humanidade até os dias de hoje
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Volta por cima e tropeços

O Paraíso do Tuiuti entrou na avenida com um visual impactante desde o carro abre-alas. Com fantasias de fácil leitura e requinte e enredo engajado, foi conquistando a simpatia do público ao longo de seu cortejo. A comissão de frente, do coreógrafo Patrick Carvalho, conquistou o público com um truque simples, em que pretos velhos se transformavam em escravos. A ótima bateria de Mestre Ricardinho valorizou ainda mais o samba-enredo, defendido com muita garra pelos intérpretes Nino do Milênio, Grazzi Brasil e Celsinho Mody --os dois últimos, reforços vindos do Carnaval de São Paulo. 

O último setor, elaborado pelo carnavalesco Jack Vasconcelos para protestar contra a redução dos direitos trabalhistas, arrebatou o público com fantasias em que carteiras de trabalho apareciam rasgadas e patinhos da Fiesp batiam panelas manipulados como marionetes. Um vampiro representou o presidente Michel Temer no último carro. De virtual rebaixada, a escola de São Cristóvão saiu da avenida aclamada e candidata a voltar no sábado das campeãs.

A Acadêmicos do Grande Rio apostou na tecnologia na abertura de seu desfile. A comissão de frente fez uma performance muito aplaudida com o uso de um telão de LED interagindo com seus integrantes. O carro abre-alas, repleto de néon, veio no melhor estilo do carnavalesco Renato Lage que, com sua mulher, Márcia Lage, faziam sua estreia na escola de Duque de Caxias.

Apostando no samba irreverente para homenagear o comunicador Chacrinha, a Grande Rio fazia um desfile razoável até o momento em que seu último carro quebrou na concentração, a cerca de 150 metros da entrada da avenida. Por longos minutos, a escola hesitou e ficou parada na pista esperando o carro --que acabou não vindo. Desfilando com uma alegoria a menos, a Grande Rio ainda sofreu com vários buracos na pista formados pelo seu quinto carro, que não conseguia andar em velocidade suficiente. O final do desfile foi uma correria desabalada para não estourar o tempo. Inútil: a Grande Rio superou o tempo máximo permitido em cinco minutos e perderá meio ponto na apuração, que promete ser muito tensa para seus componentes.

Em desfile, Mangueira faz crítica à falta de apoio ao Carnaval do Rio de Janeiro - Bruna Prado/UOL - Bruna Prado/UOL
Mangueira transformou o prefeito Crivella em Judas
Imagem: Bruna Prado/UOL

A Estação Primeira de Mangueira trouxe um visual arrebatador criado por Leandro Vieira para exaltar o Carnaval carioca e dar uma resposta ao prefeito Crivella. Com um samba empolgante e cantado por toda a avenida, a Mangueira trouxe momentos de emoção com a ala formada por mais de mil integrantes de blocos de rua da cidade. Em um dos carros, um dos integrantes levava um adereço imitando o famoso Cristo mendigo de Joãozinho Trinta com um recado para o prefeito.

Em um tripé, Crivella voltou a aparecer como um boneco de Judas e com uma placa no pescoço com os dizeres "Pega no Ganzá" --alusão ao samba clássico do Salgueiro cantado pelo prefeito em ato com sambistas em sua campanha eleitoral. Com um desfile sem erros, apesar de ter faltado a explosão aguardada, a Mangueira foi a única escola do domingo que postula o título do Carnaval.

Uma das campeãs de 2017, a Mocidade Independente de Padre Miguel trouxe um enredo sobre a ligação entre o Brasil e a Índia. Sabendo que encerraria o desfile com dia claro, o carnavalesco Alexandre Louzada apostou em muitas fantasias e alegorias baseadas em tons claros. O samba-enredo, tido como um dos melhores da safra, propiciou um bom desfile para os seus componentes. Porém, algumas alegorias e fantasias apresentavam problemas de acabamento e o público não interagiu, limitando-se a assistir a passagem da verde e branca. A Mocidade credencia-se a uma vaga nas campeãs, mas não mostrou força para brigar pelo título.