Obesidade: um mal bem gordo

O excesso de gordura é uma doença e precisamos nos livrar dele para fugir de outros males, não só por estética

Paola Machado Colunista do UOL VivaBem Fefê Torquato/UOL

Quando pensa no fator que mais faz mal ao organismo, qual a primeira coisa que vem à sua cabeça? O álcool? O cigarro? Pois saiba que, no Brasil —e em boa parte do mundo —, a obesidade já deixou o tabagismo para trás e é a principal responsável por muitas doenças que levam à morte.

A explicação é simples: em primeiro lugar, porque o número de fumantes está diminuindo, enquanto o número de pessoas com sobrepeso não para de aumentar —de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), quase 50% das pessoas com mais de 20 anos em nosso país estão com excesso de peso. E em segundo lugar porque o cigarro causa muitas doenças, mas a quantidade de problemas de saúde associados à obesidade é muito maior.

Por que a obesidade é uma doença e como ela ocorre

Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), doença é toda a condição que gera alguma alteração funcional, estrutural ou comportamental no organismo e leva a pessoa ao sofrimento. E a obesidade se encaixa perfeitamente nesses critérios.

Caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no tecido adiposo, essa doença crônico-degenerativa e inflamatória é provocada por vários motivos. Diferentemente do que muitos pensam, não é só a "preguiça" para se exercitar ou a má alimentação que causam o problema, como também fatores genéticos, hormonais, metabólicos e psicológicos.

Juntos ou isoladamente, esses fatores podem interferir no balanço energético do organismo —ou seja, o saldo da quantidade de calorias que você ingere versus a energia que o corpo consome ao longo do dia. Basicamente, se o balanço energético é positivo (gastamos menos do que ingerirmos), estocamos as calorias que não usamos em forma de gordura corporal, o que, em longo prazo, se acontecer dia a pós dia, pode levar ao sobrepeso e à obesidade.

Como classificar e identificar esse mal

A obesidade é classificada conforme as seguintes características:

ORIGEM

  • Endógena Quando o problema é causado por questões genéticas, endócrinas (devido a alterações hormonais) ou pelo uso de medicamentos.
  • Exógena O excesso de gordura é resultado de um estilo de vida inadequado (sedentarismo, má alimentação) ou de fatores psicológicos.

CRESCIMENTO DO TECIDO ADIPOSO

  • Hiperplásico Há um aumento no número de células adiposas. A pessoa por natureza já tem mais células de gordura no corpo e isso tende a tornar o tratamento mais "difícil", uma vez que depois que uma célula gordurosa é criada ela nunca "morre", só pode reduzir de tamanho.
  • Hipertrófico Ocorre o aumento do tamanho das células de gorduras já existente.

MORBIDADE

A obesidade pode ser considerada leve, moderada ou grave, conforme o IMC (índice de massa corporal) da pessoa —veja na tabela abaixo. Apesar de o IMC ser a forma mais simples e acessível de saber se o peso de alguém está ou não adequado, é importante ressaltar que o cálculo é bastante subjetivo e nem sempre se aproxima da realidade. Uma pessoa de baixa estatura e com muitos músculos, por exemplo, pode ter um IMC de obeso mesmo sem possuir excesso de gordura corporal.

Para trazer um resultado preciso, o IMC deve sempre ser associado a outros métodos subjetivos para identificar a composição corporal, como a relação cintura-quadril; a circunferência de cintura; o índice de conicidade; e a circunferência de pescoço. A pessoa ainda pode fazer análises clínicas, como a bioimpedância e a análise de dobras cutâneas, que são mais precisas.

Se consideramos a faixa etária entre 30 a 39 anos, podemos dizer que um homem está com sobrepeso quando possui mais de 20,6% de gordura corporal e está obeso se tem mais de 24,2%. Para uma mulher com a mesma faixa de idade, mais de 24,8% de gordura significa sobrepeso e mais de 30%, obesidade.

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Não é só estética: o excesso de gordura faz mal ao corpo

Atualmente, existe uma corrente que defende que cada um precisa aceitar o corpo como ele é. Isso é muito legal e realmente devemos nos sentir bem como somos, independentemente de qualquer diferença. Só não podemos esquecer que, quando o assunto é obesidade, estamos falando de uma alteração no organismo, uma doença que tem controle e se não for combatida pode levar à morte.

Ninguém deve deixar de tratar alterações como o diabetes ou a hipertensão simplesmente por aceitá-los. Com a obesidade é exatamente a mesma coisa. Quando temos um problema que afeta a saúde do nosso organismo, precisamos combatê-lo e buscar meios de, pelo menos, minimizar os prejuízos que ele traz à nossa qualidade de vida.

Repito, não estamos discutindo aceitação, beleza ou levantando bandeiras, estamos falando de saúde. Um estudo realizado pela Faculdade de Saúde da Universidade de York (EUA) com mais de 54 mil homens e mulheres mostrou que pessoas com excesso de gordura que não sofrem com outros problemas metabólicos atrelados (como pressão, colesterol ou glicemia elevados) não têm maior risco de óbito. Nesses casos, é legal aceitar a obesidade. Mas saiba que isso só ocorre em uma parcela muito pequena de indivíduos com excesso de gordura corporal —uma a cada 20 pessoas obesas, para ser mais preciso.

95% dos obesos possuem alterações no organismo que aumentam o perigo de morte
Faculdade de Saúde da Universidade de York (EUA)

Quando a gordura excede o nível normal, pode invadir os órgãos e afetar seu funcionamento. Também gera um processo inflamatório no organismo que prejudica a circulação e compromete toda a entrega de nutrientes e oxigênio às células, fazendo com "morram de fome". Essa é a razão para sempre nos preocuparmos em tratar a obesidade, independentemente de aceitá-la ou não.

Doenças associadas ao excesso de gordura

  • Esteatose hepática não alcoólica

    É o acúmulo de gordura no fígado, que pode gerar complicações como cirrose e câncer no órgão. A doença está relacionada a fatores como resistência à insulina e o estado inflamatório atrelados à obesidade, além de excesso de peso, má alimentação e sedentarismo.

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  • Síndrome metabólica

    É caracterizada por um conjunto de alterações metabólicas, como glicemia (nível de açúcar no sangue), colesterol, triglicérides e pressão arterial elevados. A síndrome metabólica aumenta o risco de ataque cardíaco, AVC e diabetes, principais causas de morte no Brasil.

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  • Diabetes

    O tipo 2 da doença ocorre principalmente em indivíduos adultos com obesidade ou acúmulo de gordura abdominal. A relação entre obesidade e o diabetes é justificada pelo estado inflamatório do organismo, alterações metabólicas e produção e liberação de espécies reativas de oxigênio.

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  • Colesterol alto

    Esse problema em obesos geralmente está associada à presença excessiva de carboidratos e gorduras na alimentação. O problema, que aumenta o risco de doenças cardiovasculares, também pode ser causado por fatores genéticos e uso de determinados medicamentos.

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  • Doenças do coração

    O acúmulo de gordura no órgão aumenta o risco do entupimento de veias e artérias, o que pode gerar um infarto. Já a glicemia elevada (por causa do diabetes ou síndrome metabólica, comuns em obesos) pode causar rigidez do músculo cardíaco e prejudicar seu desempenho adequado.

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  • Complicações pulmonares

    A incidência de asma parece aumentar em pessoas com excesso de peso. Os mecanismos dessa associação ainda não são muito claros, porém, acredita-se que o problema ocorre por fatores mecânicos (o excesso de gordura atrapalha os pulmões), hormonais e inflamatórios da obesidade.

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  • Problemas musculoesqueléticos

    O excesso de gordura exige mais dos músculos, prejudica a mobilidade e ainda sobrecarrega as articulações, gerando dor. Os membros inferiores são os que mais costumam sofrer com a maior carga corporal, assim como a região lombar.

  • Câncer

    Segundo a OMS, alterações hormonais e o estado inflamatório provocados pelo excesso de gordura contribuem para o desenvolvimento de pelo menos 13 tipos de tumores, entre eles de estômago, mama, intestino, tireoide, pâncreas, esôfago e nos rins.

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As principais causas do problema

  • Alimentação inadequada

    O aumento no consumo de alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, ricos em açúcar, gordura trans e carboidratos simples é um grande contribuinte para o acúmulo de gordura corporal. Além disso, o tamanho das porções, a frequência do consumo alimentar e a falta de rotina influenciam muito no ganho de peso

  • Falta de exercício físico

    O sedentarismo interfere diretamente no aumento do peso. A falta de atividade física regular influencia no balanço energético positivo. Também contribui para o aumento do estoque de gordura corporal e a redução da composição de massa magra, o que prejudica de forma significante o metabolismo basal (calorias que o corpo gasta em repouso).

  • Influência psicológica

    Até 63% dos obesos têm compulsão alimentar, transtorno psicológico que leva à ingestão anormal de alimentos em curto período de tempo. Além disso, perturbações da imagem corporal, depressão, ansiedade e impulsividade estão relacionadas com o aumento de gordura.

  • Questões genéticas

    Algumas pessoas nascem com maior facilidade em armazenar gordura. Já outras apresentam uma ação menos efetiva de hormônios que promovem a saciedade. Às vezes, são questões genéticas sutis, mas que associadas facilitam fatores ambientais que levam ao ganho de peso e aumentam em até 50% o risco de alguém se tornar obeso.

  • Alterações hormonais

    Em obesos, parece haver especialmente uma resistência ou falha no mecanismo da ação da leptina, hormônio responsável por inibir o apetite e aumentar o gasto calórico periférico. Além disso, o tecido adiposo (gordura) é capaz de secretar inúmeras adipocinas, substâncias que interferem na regulação do metabolismo, aumentam a inflamação no organismo e elevam o risco de doenças crônicas.

Tratamento tem várias frentes e mudança no estilo de vida é fundamental

Não é fácil se livrar da obesidade. Como você notou, o problema tem diversas causas e por isso deve ter um tratamento multidisciplinar, elaborado em conjunto por médicos, psicólogo, nutricionista e profissional de educação física. Também exige foco total do paciente, que não pode se autossabotar e vai precisar se esforçar diariamente, mesmo após o processo de emagrecimento.

A mudança de estilo de vida passa por diversas etapas. A primeira delas é o paciente ter o desejo de emagrecer; estar preparado psicologicamente e emocionalmente para começar; e estar disposto a enfrentar as mudanças que virão pela frente.

É importante saber que a obesidade é uma doença crônica que não tem cura. Uma vez que a pessoa desenvolve o problema, vai ter de controlá-lo para o resto da vida.

Por esse motivo, temos dois grandes obstáculos: perder o peso de forma consciente e trabalhar na manutenção do que foi eliminado. Não existe fórmula mágica capaz de garantir um emagrecimento rápido, efetivo e duradouro, pois estratégias bruscas, radicais e imediatistas dificilmente são mantidas por longo período. O caminho é uma mudança geral no estilo de vida, especialmente na alimentação, além de investigar e tratar outras causas da obesidade (como alterações hormonais)

O tratamento multidisciplinar não é barato e não é acessível para toda a população. Por esse motivo é necessário o entendimento da obesidade e pontuá-la como uma pandemia, para que despertemos este problema de saúde pública e a necessidade imediata de intervenções gratuitas por meio de estratégias governamentais.

Cinco passos para mudar sua alimentação e emagrecer

  • 1

    Crie um diário alimentar

    Procure anotar tudo o que come, em que horário, qual seu apetite e estado emocional no momento. Assim, você será capaz de visualizar o que está consumindo de errado, o que o levou a cometer esse deslize (fome excessiva após longo jejum, estresse, ansiedade) e como não repeti-lo.

  • 2

    Estipule metas pequenas

    Comece tentando comer açúcar somente duas vezes por semana em vez de cortar o ingrediente para sempre. Ao ter metas pequenas, o risco de falhar é menor e você não se decepciona. Lembre-se: é preciso adotar um estilo alimentar que você consegue manter a vida toda. Deixar de comer um ingrediente que gosta é algo difícil de manter por anos (além de ser desnecessário).

  • 3

    Tenha atenção plena nas refeições

    Concentrar-se no que está comendo e no momento da refeição é importante para controlar o que consome. Desconecte-se de redes sociais e aparelhos eletrônicos. Explore o sabor e a textura de cada alimento; repouse os talheres sobre a mesa e mastigue com calma; e escolha locais tranquilos e agradáveis para fazer suas refeições.

  • 4

    Opte por comida de verdade

    Evite produtos industrializados, que são cheios de açúcar, gorduras, sódio e muitas vezes não "matam a fome" por tempo prolongado e nem nutrem o corpo. Suas refeições devem ser compostas por comida de verdade, minimamente industrializada: arroz, feijão, batata, carne, frango, peixe, ovo, verduras, legumes, frutas, grãos, cereais, leite, iogurte natural etc.

  • 5

    Aposte em ingredientes que dão saciedade

    Alguns alimentos possuem maior teor de gordura, proteína e fibras e podem fazer com que você coma menos nas refeições --ou não fique faminto entre elas. Exemplos: abacate, coco fresco, iogurte natural, coalhada, ovo, castanhas, frutas com farelo de aveia.

Como usar a atividade física a favor da perda de peso

Os benefícios do exercício no combate à obesidade vão muito além do aumento do gasto calórico. A atividade física regular contribui com a redução da massa corporal adiposa, melhora o perfil lipídico (de gorduras) no sangue, ajuda no controle da glicemia e na redução do estado inflamatório do organismo.

- Quanto exercício fazer? Segundo a OMS, o recomendado é praticar 150 minutos de atividade física moderada por semana. A boa notícia é que você não precisa de um tempo mínimo na academia por dia para cumprir essa cota, como era determinado antigamente. Hoje, pensando em saúde, cada minuto de exercício conta e pode ser somado ao longo do dia. Então, vale a sua caminhada até o ponto de ônibus pela manhã; levantar-se para beber água no escritório, o passeio com o cachorro à noite; além da corridinha no parque ou treino de musculação no fim do dia, claro. Mantenha-se o máximo ativo que puder.

- Não fique só no aeróbico Por proporcionar grande gasto calórico, muitas pessoas investem só na caminhada ou corrida para perder peso. Você pode e deve realizar treinos aeróbicos, mas nunca deixar de lado o treinamento resistido, pois a musculação é uma grande aliada para emagrecer. Com ela, você vai aumentar seu percentual de massa muscular, responsável por elevar diretamente a sua taxa metabólica basal —ou seja, seu corpo vai gastar mais calorias mesmo em repouso, o que ajuda no balanço energético negativo.

- Cuidado com atividades de impacto Enquanto estiver muito acima do peso, evite fazer exercícios que exigem muitos saltos e corrida, para não sobrecarregar as articulações e se lesionar. Comece com uma atividade de baixo impacto, como bike, elíptico, natação, caminhada. E sempre faça exercícios com orientação profissional e liberação médica.

- Escolha uma modalidade que gosta Se você odeia correr, por exemplo, não adianta praticar o esporte só porque dizem que ele "detona muita gordura" ou está na moda. Busque uma modalidade que traz prazer e sempre vai deixar você motivado a realizá-la.

- Aposte no treino intervalado Quando tiver liberação médica, invista em um treino aeróbico HIIT (treino intervalado de alta intensidade) de duas a três vezes por semanas. Estudos mostram que o HIIT pode queimar até 93% mais gordura do que um treino moderado.

Ser magro e ter barriga também é ruim

Está enganado quem pensa que o excesso de gordura faz mal apenas em obesos. Até mesmo pessoas aparentemente magras e dentro do "peso normal", quando possuem muita gordura na região abdominal, têm maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, pressão e colesterol altos, diabetes e outros problemas.

Isso porque a gordura da barriga —a popular "pança de chope", se acumula entre os órgãos e vísceras (por isso é chamada de visceral) fica ao redor de partes vitais do corpo, como o estômago e o fígado, prejudicando seu funcionamento.

A gordura visceral gera perigo à saúde. Já a gordura subcutânea, que fica entre a pele e a parede abdominal, é mais um "reservatório" natural de energia (calorias) e não ameaça tanto sua vida, uma vez que não envolve diretamente os órgãos e os vasos sanguíneos.

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