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Instituições correm para criar teste molecular rápido, preciso e acessível

Teste molecular desenvolvido em parceria entre Mendelics e Sírio-Libanês usa saliva - Divulgação
Teste molecular desenvolvido em parceria entre Mendelics e Sírio-Libanês usa saliva Imagem: Divulgação

Yuri Vasconcelos

Da Pesquisa Fapesp

22/06/2020 04h00

Um novo teste molecular rápido para detecção do vírus Sars-CoV-2 foi criado pelo laboratório de genômica Mendelics em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, ambos de São Paulo. Kit de diagnóstico similar encontra-se em estágio avançado de desenvolvimento na UFG (Universidade Federal de Goiás). O exame baseia-se na técnica RT-Lamp, sigla para transcrição reversa seguida por amplificação isotérmica mediada por alça.

Ele é fundamentado na amplificação do RNA viral, o mesmo procedimento empregado nos exames moleculares RT-PCR (transcrição reversa seguida por reação em cadeia de polimerase), considerados o padrão ouro para covid-19. O novo teste, de alta sensibilidade, é capaz de identificar a presença do vírus desde os primeiros dias de infecção.

O teste da Mendelics e do Sírio-Libanês é mais simples de ser processado, rápido e barato do que o RT-PCR. Segundo seus desenvolvedores, utiliza saliva como amostra para o diagnóstico e fica pronto em uma hora. Tem 80% de sensibilidade (capacidade de identificar o vírus em pacientes contaminados, evitando falsos negativos) e 99% de especificidade (capacidade de identificar corretamente os indivíduos que não têm a doença, evitando falsos positivos).

Com estimativa de processamento de 110 mil amostras por dia, o exame já está à disposição de parceiros das duas instituições, como empresas que queiram testar seus funcionários —num primeiro momento, portanto, não se destinará ao público geral. Custará R$ 95, menos da metade de um teste RT-PCR. O baixo custo e a rapidez de apresentação dos resultados podem ajudar a elevar a testagem no país.

O kit em desenvolvimento na UFG é similar ao feito em São Paulo. "Usamos amostras de swab [espécie de cotonete que coleta material do fundo do nariz ou garganta] ou saliva. Elas são colocadas em um microchip e o resultado se dá por colorimetria. Se acusar a presença do vírus, o material testado fica com a cor verde fluorescente", afirma a química Gabriela Rodrigues Mendes Duarte, do Grupo de Pesquisa em Biomicrofluidica do Instituto de Química da UFG.

A reação de amplificação do RNA pelo RT-Lamp, segundo a pesquisadora, ocorre em 10 minutos e o teste fica pronto em menos de duas horas. Para sua execução, utilizam-se um dispositivo portátil e descartável e uma quantidade pequena de amostra e reagentes —são empregados de quatro a seis primers (segmentos de ácidos nucleicos necessários à replicação de RNA/DNA) que reconhecem entre seis e oito regiões distintas do RNA viral. "Criamos uma ferramenta de diagnóstico rápido para aplicação point-of-care, ou seja, no campo, e não em um laboratório altamente equipado", explica Duarte.

RT-PCR: caro e sofisticado

Rt-Lamp - Gabriela Rodrigues Mendes Duarte - Gabriela Rodrigues Mendes Duarte
A cor verde fluorescente numa extremidade do microchip sinaliza que o teste da UFG foi positivo
Imagem: Gabriela Rodrigues Mendes Duarte

Os exames baseados em RT-PCR, por sua vez, necessitam de aparelhos caros, mão de obra qualificada e insumos que hoje estão em falta no mercado. Além disso, seu processamento é feito em várias etapas, o que faz com que demorem, em média, de sete a oito horas para serem concluídos. Com o elevado volume de testes para covid-19 realizados no país nos últimos meses, os resultados têm levado dias para ficar prontos.

"Para provar a viabilidade da técnica para o novo coronavírus, trabalhamos com um número pequeno de amostras, pouco mais de 10 unidades. Agora, vamos partir para a validação final de um modelo comercial com um número maior, em torno de 500. Se tudo correr bem, finalizaremos o desenvolvimento em dois meses. A tecnologia, idealmente, deverá ser transferida para uma empresa interessada em produzi-la em larga escala."

O trabalho contou também com a participação de pesquisadores do Laboratório de Genética Molecular e Citogenética do Instituto de Ciências Biológicas da UFG. Um artigo detalhando o estudo foi submetido à revista Biosensors and Bioelectronics e encontra-se em revisão.

Oxford e Harvard

Cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em colaboração com colegas chineses, e da Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, divulgaram nos últimos meses terem criado kits para detecção do Sars-CoV-2 com a mesma técnica usada pela UFG. "Validamos o método RT-Lamp em um hospital da China, empregando 16 amostras clínicas, sendo oito positivas e oito negativas [para Covid-19]", escreveram os pesquisadores de Oxford em artigo publicado na edição de abril da revista Microbial Biotechnology. "Os resultados dos testes são consistentes com os do RT-PCR."

A existência de um teste rápido point-of-care para diagnóstico da covid-19 em pessoas portadoras da doença, sustentam especialistas, pode tornar mais efetivo o enfrentamento da pandemia. Hoje, os únicos exames rápidos disponíveis detectam os anticorpos IgG e IgM em indivíduos que já foram infectados pelo novo coronavírus. Como o teste RT-PCR leva muito tempo para ficar pronto, dificulta a decisão de isolar os doentes e o rastreamento efetivo de seus contatos.

"O RT-Lamp é um método muito promissor por sua simplicidade e facilidade de realização. Vejo com bons olhos a iniciativa de desenvolver um teste no país com essas características", declarou a Pesquisa FAPESP o virologista Fernando Rosado Spilki, membro do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, e presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia).

Spilki ressalta, no entanto, que, para se tornar um produto comercial, o teste requer uma padronização muito rigorosa que o torne capaz de detectar pacientes com diferentes cargas virais. "A prova de fogo do exame que está sendo desenvolvido na UFG será a validação em um número maior de amostras. Indivíduos com covid-19 excretam diferentes cargas virais", afirma. "O desafio de qualquer teste é detectar a presença do Sars-CoV-2 naquelas pessoas que possuem baixa carga viral."