Canja para gripe e mais: confira se truques populares ajudam mesmo a saúde

Chloé Pinheiro
Colaboração para o VivaBem
Getty Images

A cena é um clássico da infância de muita gente. Bastava sentir algum desarranjo ou dorzinha e os parentes mais velhos, principalmente os avós, já apareciam com uma receita caseira para amenizar sintomas e restabelecer a saúde.

Algumas dessas sabedorias populares realmente têm embasamento por trás, mas outros estão mais para mito, como o Viva Bem apurou com especialistas. Vale ressaltar que, se estiver com suspeita de alguma doença, o ideal é não se automedicar, mesmo com medidas caseiras aparentemente inofensivas.

1. Tomar leite com açúcar queimado é bom para tosse?

Não existem estudos na literatura avaliando a combinação do leite com o açúcar queimado, mas se sabe que tomar líquidos quentes promove um alívio temporário na dor de garganta. Eles promovem mais salivação e trazem uma sensação de conforto, bem-vinda no momento de dor.

Entretanto, dependendo da temperatura há risco de lesões locais e queimaduras. Fora que o açúcar simples, em excesso, pode atrapalhar o funcionamento do sistema imune.

2. Canja ajuda na recuperação de gripe e resfriado?

Verdade, ela ajuda quem está com gripe, mas de várias maneiras indiretas. Primeiro, aqui entra em jogo o aspecto psicológico da coisa, um bem-estar promovido pela mistura de memória afetiva com líquido quentinho que mencionamos acima.

Depois, o caldo da sopa pode repor líquidos perdidos no suor da febre e na produção de secreções na garganta e no nariz. O vapor ainda fluidifica o muco, o que facilita na expectoração dele, efeito reforçado pela cisteína, aminoácido presente no frango.

Por último, os legumes e verduras da clássica canja —cenoura, alho, cebola, salsão e outros — são repletos de vitaminas e minerais com poder antioxidante e ação anti-inflamatória. Ou seja, uma ajudinha extra ao sistema imune, embora não ataque diretamente o vírus ou bactéria que está causando o problema.

3. Refrigerante de cola é bom para o estômago?

Uma lembrança familiar da autora que vos escreve: chegar na casa do avô e se deparar com várias garrafinhas do famoso refrigerante à base de cola e ouvir dele que eram "remédio" para o estômago. Trata-se, contudo, de um mito (desculpa, vô!).

Refrigerantes são produtos ultraprocessados, com alto teor de açúcar e acidez exacerbada, que não trazem nenhum benefício para a saúde. Pelo contrário, seu pH baixo pode estimular a produção do suco gástrico e piorar quadros de azia.

A bem da verdade, existe uma situação específica onde o refrigerante de cola parece atuar que é na dissolução do bezoar, uma espécie de massa que raramente se forma no estômago ou no intestino de pessoas com baixa mobilidade gástrica a partir de partes não digeríveis de vegetais, como a celulose.

Uma revisão sistemática conduzida pela Universidade de Atenas em 2012 mostrou uma eficácia de até 90% na dissolução destas massas. Mas tal ocorrência é rara, tanto que em dez anos só 46 pacientes foram estudados, como aponta essa pesquisa.

4. Chá de boldo é bom para a azia?

Ponto para a sabedoria popular. Usado há décadas, o chá de boldo (são vários tipos da planta, mas estamos falando aqui do boldo-do-chile, o mais popular) é um fitoterápico indicado para o tratamento de distúrbios digestivos leves.

Ele contém uma substância chamada lactona que atua na digestão de gorduras, e outras que estimulam a liberação de bile e enzimas que facilitam a digestão. Além disso, pode ter ação antiespasmódica, o que reduz o desconforto causado por gases.
Mas isso não quer dizer sair tomando o chá indiscriminadamente. Seu consumo é contraindicado para portadores de cálculos biliares, pessoas com doenças no fígado, crianças, gestantes e mulheres que amamentam.

5. Comer fígado de boi faz bem para o estômago?

O fígado de boi é um alimento rico em nutrientes importantes para a saúde, em especial vitamina A e ferro, e fonte de proteínas de alto valor biológico. Vitaminas do complexo B, ácido fólico, selênio e zinco são outras substâncias benéficas encontradas na porção desta carne.

Mas não existe nenhum benefício comprovado dele contra uma doença específica. Além disso, ele deve ser consumido em moderação por conter altos níveis de gordura saturada. Pessoas com gota precisam tomar cuidado extra, pois o corte contém níveis consideráveis de purina, composto relacionado ao acúmulo de ácido úrico.

6. Peixe é bom para memória?

Verdade, mas nem todos os peixes. Os de águas frias e profundas, como sardinha, salmão e anchova, são os mais ricos em ômega 3, gordura que dá origem ao EPA e DHA, dois ácidos graxos importantes para o desenvolvimento cerebral em todas as fases da vida.

Elas têm efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes, além de formarem membranas que envolvem as células cerebrais. Com essas membranas saudáveis, o processo de comunicação entre os neurônios ocorre mais facilmente. Uma possível ajuda não só à memória, mas ao raciocínio e outras funções cognitivas.

Não produzidos pelo organismo, DHA e EPA precisam ser adquiridos por meio do ômega 3 da dieta. A sardinha em lata é campeã nesse quesito.

7. Isotônico ajuda a combater diarreia?

Isotônicos são bebidas criadas para repor sais minerais e carboidratos depois de atividades físicas intensas, para atletas de alta performance. Mas, como entram na categoria dos ultraprocessados e têm um teor considerável de açúcar, não devem ser usados na recuperação da diarreia.

O ideal para repor os sais minerais nesse caso é fazer o bom e velho soro caseiro - um litro de água, duas colheres de sopa de açúcar e uma colher de chá de sal. A água de coco natural também é um líquido com essa função, fora outras medidas que ajudam: tomar bastante água, manter uma alimentação leve e com poucos temperos, usando legumes preferencialmente cozidos.

Até uma canjinha, por que não?

Fontes: Andrea Bovini, professora do curso de Nutrição da Universidade Anhembi Morumbi; Claudete Nyarady, diretora do Sindinutri (Sindicato dos Nutricionistas do Estado de São Paulo); Maria Claudia Santos, coordenadora do curso de Nutrição da Universidade Anhembi Morumbi; Natalia Barros, nutricionista mestre pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com aprimoramento em nutrição humana e metabolismo pela Stanford University (Estados Unidos)