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Tatiane Lisbon, a Papisa: 'Sou bruxa desde novinha'

 Tatiane iniciou a carreira lendo tarô em feiras livres - Lucas Silvestre
Tatiane iniciou a carreira lendo tarô em feiras livres Imagem: Lucas Silvestre

De Universa

06/11/2021 04h00

Idealista, voltada para o bem comum, sem medo de causar impacto: não é por acaso que a astróloga Tatiane Lisbon, que adotou o nome artístico de Papisa, tem o ascendente em Aquário —as características do signo são exatamente as primeiras impressões que ela transmite durante uma conversa.

Usando brincos grandes de ametistas (cristais roxos, associados à conexão espiritual), ela conversou com Universa da casa em que vive e trabalha, em Pirituba, bairro da zona norte de São Paulo, via videoconferência. Durante o bate-papo, contou mais sobre sua trajetória como uma das poucas mulheres negras no meio esotérico: das leituras de tarô em feiras livres até se tornar uma profissional renomada, que escreve para veículos de comunicação e hoje acumula mais de 60 mil seguidores no Instagram.

Atualmente, Tatiane gere uma empresa de serviços astrológicos e escreve as previsões semanais de Universa, que são enviadas também por e-mail aos assinantes da newsletter UOL Horóscopo, toda segunda-feira pela manhã. Para assiná-la é só clicar neste link.

Autodidata, ela tem orgulho da forma como conduziu seu aprendizado, mas confessa que não foi fácil conquistar seu espaço no meio.

'Não conhecia uma astróloga negra'

Papisa é apaixonada pelo universo esotérico desde pequena - Lucas Silvestre - Lucas Silvestre
Papisa é apaixonada pelo universo esotérico desde pequena
Imagem: Lucas Silvestre

Quando questionada se considera a astrologia uma área elitizada, Tatiane afirma que sim. "Primeiro que não é um estudo simples. Ela é popular no que se refere aos signos, mas a interpretação de um mapa não é um serviço barato. Pagar R$ 300 em um mapa para autoconhecimento, em um país no qual as pessoas estão sendo queimadas porque não têm dinheiro para o gás? Mesmo sendo um conhecimento milenar, acabou sendo acessado pelas camadas mais elitizadas", opina.

Ela relembra ainda que, quando ingressou na profissão, não conhecia outras astrólogas negras. "Se pegar uma lista de astrólogos reconhecidos no Brasil, todos eles são brancos. Acredito que eu fui a primeira negra com esse alcance midiático. Hoje em dia tenho o prazer de conhecer muita gente —negras, indígenas, não cis, não binárias— que trabalha com isso. Mas, quando comecei, não sabia de nenhuma astróloga negra".

Hoje, o que eu quero é continuar abrindo caminho nesse meio para várias outras pessoas na área da astrologia, que venham de quebrada, de lugares diversos, que tenham outros corpos e outras realidades.

Uma 'criança bruxa'

A astróloga se identifica com a simbologia do arcano maior Papisa - Lucas Silvestre - Lucas Silvestre
A astróloga se identifica com a simbologia do arcano maior Papisa
Imagem: Lucas Silvestre

Tatiane conta que sempre se interessou pelo mundo esotérico. "Assim como algumas crianças se encantam com um instrumento musical ou pelo ato de desenhar, eu sou bruxa desde novinha", brinca. Seu primeiro contato com a astrologia foi justamente através dos signos e dos horóscopos. Assim que passou a ter acesso a internet, aos 12 anos, começou a se aprofundar no tema.

Ao chegar na fase de escolha da profissão, no entanto, não cogitou a carreira de primeira. Fez um curso técnico de design de interiores, mas atuou por pouco tempo na área. Em seguida, ingressou no mundo da maquiagem, no qual trabalhou por quase três anos. "Mas era algo que exigia investimento de produtos, uma bagagem de conhecimento. E o que eu precisava era de retorno, para sobreviver e pagar as contas", diz. Por isso, começou a oferecer o serviço de leituras de tarô e de mapa astral.

'Entre um trabalho e outro, virava noites acordada'

A novidade não foi bem recebida em casa. "Minha configuração familiar é disfuncional: minha mãe, por exemplo, já faleceu. Esse é um fator que conta bastante para eu ter recorrido aos oráculos desde cedo. Eles me ofereciam um direcionamento que eu não tinha", reflete.

Na época em que começou a oferecer serviços esotéricos, morava com um avô, de quem era mais próxima, e seus tios. "Eles tentavam seguir aquela linguagem moralista meio falida de 'Vai arrumar um emprego', sempre repetindo a mesma coisa", conta. Apesar de não ter uma ocupação formal, o início da sua carreira foi de trabalho duro.

Comecei dando a cara a tapa. Eu ia nas feiras livres, abertas ao público, com minhas cartas e uma toalha. Muitas pessoas tinham receio, não conheciam, então às vezes voltava para casa sem ter nem o suficiente para pegar um ônibus.

O que a ajudou foi o boca a boca: ela também oferecia as leituras para amigos e começou a realizá-las em festas e eventos. "Às vezes virava a noite entre trabalhos", relembra. As leituras individuais eram feitas em cafés espalhados por São Paulo, já que não podia atender em casa. Ela usava o tarô como isca para oferecer também os serviços de astrologia e com isso foi montando uma cartela de clientes.

'No início, não queria ser a Papisa'

Em 2017, decidiu que era o momento de investir nas redes sociais e criou a página A Papisa, na qual fazia previsões astrológicas e oferecia seus serviços sem mostrar o rosto. O nome, inspirado em um arcano maior do tarô, foi escolhido em razão de um apelido.

"Bem antes de começar a atender profissionalmente, eu tirava o tarô para alguns amigos, com o objetivo de treinar minhas leituras. Quando alguns deles perguntavam sobre relacionamento, saía a carta da Papisa, que indica segredos, coisas ocultas. Muitos se surpreendiam, porque batiam com o que estavam vivendo. Então eles começaram a brincar: 'Lá vem a Papisa' sempre que me viam".

Tatiane considerou que seria um bom nome para a marca porque transmite seriedade e também está associado à confidencialidade. "Essa é uma parte importante do meu trabalho: as pessoas abrem sua intimidade e precisam saber que seus segredos estão bem guardados", justifica.

A ideia de manter sua identidade em sigilo, no entanto, durou pouco. Quando surgiram as primeiras propostas de publicidade, ela acabou aparecendo na página. "Foi um choque, porque eu não queria ser a Papisa. Ela era uma espécie de alter ego, outra persona. Mas no fim percebi que é uma simbologia que conversa bastante comigo", diz.

A Papisa tem histórias controversas e eu também: quanto mais você cavar da minha história, mais coisas complicadas vai achar. Não sou uma santa, passo longe desse lugar da moralidade.

2022 vai ser um ano melhor?

Encerramos a entrevista com a pergunta que mais tem ocupado a cabeça das pessoas recentemente: o ano de 2022 vai ser mais tranquilo? Ela afirma que sim, mas que ainda não podemos nos empolgar muito. "Estamos engatinhando: continuaremos com algumas restrições e reforços de vacina. Só vamos conseguir nos libertar mais a partir de 2023. Mas o processo é muito gradual. Essa não é uma especulação da astrologia, mas da ciência: a covid-19 foi só a primeira", diz.

Em sua visão, este foi só o primeiro choque de realidade, e ainda teremos que encarar uma crise ambiental. "Como era antes nunca mais vai voltar. Temos que aproveitar a lição para nos organizarmos para o que ainda vem. Aproveitar o respiro, mas sem dormir no ponto", conclui.