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Não para, nem acelera: como marca-passo mantém o coração funcionando

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt, em São Paulo

17/10/2019 04h00Atualizada em 17/10/2019 12h42

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, 30% dos óbitos registrados no Brasil são relacionados a doenças cardiovasculares. Esse índice poderia ser bem pior se não fosse uma pequena invenção que cuida de muitos corações há quase 100 anos: o marca-passo.

O conceito surgiu no final do século 19 e já existia de maneira arcaica na década de 1930, mas só passou a ter uso prático em meados de 1958, quando o sueco Arne Larsson foi o primeiro paciente a receber um marca-passo implantável. Antes disso, o aparelho ficava fora do corpo humano.

A função do marca-passo é monitorar a frequência cardíaca do paciente. Uma vez que ele detecta uma arritmia, que pode ser tanto por uma frequência cardíaca muito baixa ou muito alta, ele gera impulsos elétricos para estimular o músculo do coração.

Esses impulsos visam regularizar os batimentos do coração e evitar situações extremas, como uma parada cardíaca.

Os marca-passos modernos têm uma caixa de titânio - ou outro material biocompatível, que não tenha rejeição pelo corpo humano— dentro da qual há uma bateria de lítio, similar à dos celulares.

Para a inveja do seu smartphone, porém, essa bateria tem duração estimada entre seis e doze anos. Essa caixa tem tamanho menor do que uma caixinha de fósforos e é implantada no lado esquerdo do tórax, abaixo da clavícula.

Nessa mesma incisão, são introduzidos eletrodos, que são fios metálicos revestidos por uma fina camada de silicone. Esses eletrodos são levados até as câmaras do coração por meio de veias e artérias maiores, que passam na região do ombro e se conectam diretamente ao coração. Uma vez que os eletrodos estejam no coração, eles são fixados na parede do órgão.

Esses eletrodos têm dupla função: conduzir impulsos elétricos até o coração e também funcionar como sensores do funcionamento do órgão. Uma vez que os músculos naturalmente são estimulados a se moverem por impulsos elétricos, é possível notar quando há algo errado.

Há vários tipos de marca-passo, mas os mais comuns são:

  • unicameral: tem apenas um eletrodo ligado ao ventrículo ou átrio do coração
  • bicameral: tem eletrodos no átrio e no ventrículo
  • biventricular: tem eletrodos ligados ao átrio direito, ventrículo direito e ventrículo esquerdo.

Esse último tipo age na correção da falta de sincronismo entre os dois ventrículos, que devem se contrair ao mesmo tempo. Ele é ativo e não fica "esperando algo dar errado" como um marca-passo comum.

É possível hackear um marca-passo?

Há marca-passos que se comunicam com centrais de controle por transmissão sem fio. Normalmente, isso ocorre para que o clínico tenha uma espécie de diagnóstico do paciente e do estado do aparelho.

A questão é que, ainda que improvável, essa característica supostamente abriria uma brecha de segurança no aparelho. O assunto foi tratado por dois pesquisadores que expuseram essa possibilidade e deixaram muitas pessoas preocupadas. Ao menos em tese, é possível hackear um marca-passo, sim.

As descargas dos marca-passos podem ser perigosas?

Considerando que ele esteja funcionando de maneira correta, não.

A descarga elétrica mais forte que um marca-passo pode dar ocorre nos modelos com função CDI, sigla para cardioversor desfibrilador implantável. Neste caso, ele funciona da mesma maneira que um desfibrilador externo, já que na presença de uma taquicardia, ele emite uma descarga potente de energia para cessar o problema. Em seguida, ele monitora o retorno da frequência cardíaca ao normal.

Esse tipo de aparelho é programado de acordo com cada paciente e, uma vez que a função CDI é usada, a vida útil da bateria é reduzida.

Quem tem marca-passo pode passar por detectores de metais?

Apesar dos marca-passos sofrerem a influência de campos magnéticos intensos, situações cotidianas como passar em detectores de metais ou sistemas antifurto de lojas dificilmente poderão causar problemas mais sérios. Mas o recomendado é evitar ficar por muito tempo perto de equipamentos do tipo.

Em casa, a maioria dos aparelhos não representa risco algum. Por cautela, no entanto, é bom evitar ficar muito próximo de fornos micro-ondas enquanto eles estão em funcionamento. Também deve-se evitar transportar smartphones em bolsos próximos à região onde o marca-passo está implantado.

Por fim, é crucial que o paciente carregue consigo cartão de identificação como portador de marca-passo, especialmente em viagens de avião e durante atendimento hospitalar.

Toda quinta, Tilt mostra que há tecnologia por trás de (quase) tudo que nos rodeia. Tem dúvida de algum objeto? Mande para a gente que vamos investigar.

Fonte: Valter F. Avelino, professor do Departamento de Engenharia Elétrica do Centro Universitário FEI