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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bóson de Higgs: por que essa força essencial do universo é tão misteriosa?

CMS (Compact Muon Solenoid), que detectou a força de Higgs, está localizado no Cern - Maximilien Brice/ Cern
CMS (Compact Muon Solenoid), que detectou a força de Higgs, está localizado no Cern Imagem: Maximilien Brice/ Cern

O universo é feito de dois constituintes básicos: matéria e forças. Sabemos da existência de cinco forças fundamentais: eletromagnetismo, gravidade, as forças nucleares forte e fraca, e a força de Higgs. Nessa série de artigos, vou explicar o que ainda não sabemos sobre cada uma dessas forças, e apontar algumas ideias interessantes de experimentos que estão tentando avançar nosso conhecimento das forças fundamentais do universo. Hoje vou abordar a força de Higgs.

As ideias por trás do bóson de Higgs foram propostas na década de 60, por diversos autores*, mas o famigerado bóson foi somente detectado em 2012, no Cern, em Genebra.

A força de Higgs tem uma função específica no universo —gerar massa das partículas elementares. Apesar de exercer essa função essencial, a origem do bóson de Higgs é um grande mistério, principalmente por causa da sua massa.

Apesar de ser bastante pesado— um Higgs pesa quase tanto quanto um átomo de iodo, que contém dezenas de prótons, nêutrons e elétrons— o Higgs nem é a partícula elementar mais pesada que conhecemos. Essa distinção pertence ao último dos quarks (o quark "top"), membro da terceira família de partículas elementares.

Por que o Higgs é tão misterioso?

Todas as partículas elementares interagem e se comportam como pequenas bolinhas de tamanho desprezível. Não existe, no momento, nenhuma teoria que explique a diversidade de massas dessas várias partículas elementares.

Por que não podemos ajustar as massas de acordo com experimentos, e usar os valores medidos para gerar previsões de resultados de experimentos mais complicados?

A dificuldade é que o universo é descrito pela física quântica, e uma consequência importante da física quântica é que o espaço "vazio" tem partículas surgindo e desaparecendo constantemente. Na verdade, é como um meio viscoso, mas a viscosidade só é aparente com experimentos muito delicados.

As partículas elementares, ao se movimentar nesse meio viscoso, tendem a adquirir inércia, e se tornam incapazes de movimentar.

Por que então temos tantas partículas leves, ou até mesmo desprovidas de massa, como as partículas de luz?

A grande diferença é que, com a exceção do bóson de Higgs, todas as partículas elementares tem "spin" — elas têm um giro intrínseco.

Imagine chutar uma bola para um parceiro do seu time de futebol. Se o dia estiver com muito vento, a bola se torna muito mais estável se ela estiver girando ao se movimentar. Basicamente o mesmo mecanismo permite que as partículas elementares sejam leves, e não adquiram enorme inércia ao se movimentar pelo espaço "vazio" da física quântica.

O Higgs não tem giro, ou spin. Como pode então ser uma partícula relativamente leve, e não adquirir inércia enorme?

As soluções propostas são fascinantes, e objetos de investigação ativa por cientistas.

Duas soluções: composição ou supersimetria?

A primeira solução para o mistério do Higgs é chamada de "composição". É a ideia de que o Higgs é composto de peças menores, ainda não detectadas individualmente, e cada uma dessas peças tem spin. É como se o Higgs fosse feito de blocos de Lego.

A natureza já usou essa solução em outras partículas sem spin, notoriamente o píon, descoberto pelo brasileiro César Lattes em colaboração com Cecill Powell, Giuseppe Occhialini e outros.

Hoje sabemos que o píon é feito dos mesmos ingredientes de prótons e nêutrons, numa configuração mais instável. É uma solução plausível para o mistério do Higgs, mas já é um cenário improvável, pois experimentos no Cern já teriam detectado outras partículas feitas das mesmas peças de Lego que produzem o Higgs.

A segunda solução é a chamada "supersimetria". É a ideia de que todas as partículas do universo têm um par. O par supersimétrico é mais pesado, e mais importante, tem spin diferente.

Essa ideia é considerada atraente por diversos motivos, listá-los daria um outro artigo. Vou só descrever como os pares supersimétricos resolvem o problema da massa do Higgs.

Lembre-se de uns parágrafos acima que o quebra-cabeça é a inércia adquirida pelo Higgs a se movimentar pelo vácuo quântico (visualize uma bola sendo arremessada num meio viscoso). A grande sacada é que cada partícula dá uma espécie de chute no Higgs, enquanto o par supersimétrico chuta na direção oposta. Na média, a viscosidade do vácuo diminui, e o Higgs pode se movimentar sem problemas, como observamos em experimentos.

Essa proposta ainda é viável, mas os modelos mais simples de supersimetria já foram falsificados no Cern.

Como vamos descobrir o que é responsável pela massa do Higgs?

A proposta considerada mais atraente no momento é a de construir um novo acelerador de partículas. Tanto a China quanto a União Europeia têm propostas de novos aceleradores de partículas operando a energias até dez vezes maiores do que o atual LHC, no Cern.

Investigar a natureza do Higgs é só uma das muitas avenidas de investigação. Outras incluem a busca por novas forças da natureza, novas dicas sobre a distribuição de massas das partículas elementares, e a busca por partículas que podem ser a famosa "matéria escura" que inferimos de observações astronômicas.

Um avanço nos aceleradores de partículas abrirá novas fronteiras do nosso conhecimento, e certamente trará muitas surpresas na nossa jornada para desvendar nosso estranho, mas compreensível universo.

* Inclusive Peter Higgs, mas também Philip Anderson, Robert Brout, François Englert, Carl Hagen, Tom Kibble e Gerald Guralnik.