Topo

Felipe Zmoginski

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Chineses criam empresas falsas para atrair especialistas em semicondutores

China tem forte dependência de semicondutores importados - xb100/ Freepik
China tem forte dependência de semicondutores importados Imagem: xb100/ Freepik

07/04/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A ascensão chinesa na indústria global de tecnologia é um caso de sucesso mundialmente estudado. No espaço de quatro décadas, o país agrário e de tardia industrialização passou a dividir a ribalta com americanos, europeus e japoneses em áreas sofisticadas como inteligência artificial e conectividade sem fio.

De tão fulgurante, a escalada da China gera temores variados, sobretudo de quem está no topo da cadeia, os Estados Unidos. Há pelo menos quatro anos, os americanos decidiram que estava na hora de "chutar a escada", limitando o espaço de subida para os chineses.

Uma das medidas mais agressivas é a que proíbe empresas americanas —ou estrangeiras que usem parcialmente tecnologias americanas— de fornecer componentes, software e serviços a parceiros chineses listados como não-confiáveis.

A mais famosa vilã é a Huawei, mas a lista é longa e chegou a impedir, por exemplo, fabricantes chineses de smartphones de embarcar o sistema operacional Android.

O chute na escada pode ser insuficiente, além de ter chegado tarde demais.

É inegável, no entanto, que as restrições americanas prejudicaram a China. Apesar de o país ter avançado em muitas cadeias tecnológicas, suas empresas ainda são juniores quando o tema é semicondutores. Os chips que dão poder de processamento às torres de telefonia 5G, às aplicações de inteligência artificial (IA) e aos carros autônomos chineses são fabricados fora do país e quase que totalmente com tecnologia estrangeira.

Maior mercado mundial de semicondutores, a China consome 70% de todos os chips feitos no mundo. Só 6% deste consumo, porém, é alimentado pela indústria doméstica. Outros 94% chegam ao país via importação. Os dados são de pesquisa da IC Insights, publicados no final de 2020.

O mesmo instituto atesta que, no ano passado, fundos públicos e privados chineses investiram US$ 35,6 bilhões em startups e grandes empresas chineses de semicondutores, um aumento de 407% sobre o volume registrado um ano antes. O objetivo, óbvio, é acelerar esta indústria no país e diminuir a dependência de tecnologia estrangeira.

Como se sabe, o dinheiro compra muitas coisas, mas não compra tudo. Startups com projetos ousados, dinheiro em caixa e escritórios descolados com mesa de pingue-pongue e videogames padecem, hoje, da falta de mão de obra qualificada. Técnicos e engenheiros com expertise em arquitetura de semicondutores não se formam de um dia para o outro.

A saída foi buscar talentos no exterior e o mercado mais afetado foi o de Taiwan, ilha vizinha que, ao lado de Japão e Coreia do Sul, possui um maduro mercado de semicondutores. Do ponto de vista corporativo, a opção por Taiwan é óbvia: seus engenheiros falam a mesma língua (no sentido literal), o que auxilia muito na gestão de projetos.

Esta semana, porém, promotores de Taiwan denunciaram duas empresas chinesas por burlar as leis locais para atrair talentos. De acordo com a denúncia, empresários chineses pedem autorização para instalar suas startups na ilha, argumentando ser mais fácil captar investimentos e exportar produtos por lá. O método é bem aceito pelas autoridades locais, já que economicamente o país beneficia-se muito do comércio e dos investimentos da China.

A denúncia afirma, no entanto, que muitas empresas criadas em Taiwan são, na verdade, uma fachada. Os empresários chineses não buscam dar escala às suas startups, mas tão somente recrutar os melhores engenheiros do país, retirando-os de seus empregos de origem para, com base em Taipei, atuar em projetos que servem ao interesse de projetos chineses.

Na denúncia, as empresas WiseCore Tech e IC Link, que deveriam pesquisar sobre criptomoedas em Taiwan, serviriam de linha de apoio a interesses tech de Pequim. As duas empresas acusadas não se manifestaram.

Uma guerra tecnológica pode ser bem mais sofisticada que um conflito bélico analógico, mas em ambos os casos, vale tudo para manter-se vivo e, a julgar pelo caso de Taiwan, a China parece disposta a usar todos os recursos possíveis para manter sua escada da vertical.