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Renato Mauricio Prado

Dez mandamentos para crer em Jesus

Jorge Jesus fechou acordo com Flamengo neste sábado, dia 1º de junho - Divulgação/Flamengo
Jorge Jesus fechou acordo com Flamengo neste sábado, dia 1º de junho Imagem: Divulgação/Flamengo

03/06/2019 12h00

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Depois de mentiras, idas e vindas, desmentidos e cortinas de fumaça, confirmou-se aquilo que Abel Braga descobrira ainda empregado e que o fez se demitir: Jorge Jesus já tinha mesmo sido convidado pelos dirigentes rubro-negros e agora é oficialmente o novo técnico do Flamengo. Para boa parte da torcida, que implicava com o antigo treinador desde o dia em que ele foi contratado, é uma benção. Para quem tem os pés no chão, uma gigantesca incógnita.

Jesus é um técnico de sucesso em Portugal. Ponto. Nada além disso. Ao contrário de compatriotas mais famosos e bem-sucedidos no exterior, como José Mourinho, André Villas Boas, Leonardo Jardim e até Paulo Bento - que teve passagem relâmpago e malsucedida pelo Cruzeiro -, o ex-treinador, que faz 65 anos em julho, teve apenas uma experiência fora da "terrinha", dirigindo, sem grande brilho, o insignificante Al-Hilal, de Ryad, na Arábia Saudita. Convenhamos, está longe de ser um currículo empolgante.

Minha maior dúvida, entretanto, não está ligada aos trabalhos anteriores do português, mas ao fato de ele assumir o Flamengo, no meio de uma temporada, com o time disputando, com chances, três títulos importantes: a Libertadores (o principal deles), a Copa do Brasil e o Brasileiro. Haverá tempo hábil para que Jesus, um estrangeiro, conheça bem seus novos comandados e, tão importante quanto, os seus adversários nessas três frentes dificílimas?

Essa história de que ele está a par do que acontece no futebol brasileiro, porque o acompanha pela TV, é para boi dormir. Ele só conhecerá bem o Pará depois do décimo quinto cruzamento errado ou da vigésima falha na marcação. O mesmo, para o bem e para o mal, com o restante do elenco. Só no dia a dia, obviamente, ele terá condições de avaliar o grupo que passou a ter nas mãos, bem como os jogadores tentarão se adaptar aos seus métodos de trabalho e estratégias de jogo.

Para provar que não estou de má vontade e que não tenho preconceito em relação a esse Jesus genérico, listarei dez mandamentos que, se cumpridos, me farão gritar aleluia em seu louvor.

1 - Diego, Arrascaeta e Everton Ribeiro não somente podem como devem jogar juntos. O talento deles cresce quando atuam lado a lado, como se pode ver, uma vez mais, com clareza na vitória sobre o bem armado Fortaleza de Rogério Ceni. Os dois gols de Gabriel nasceram de tramas preciosas e precisas do trio. Urge escalá-lo na equipe titular.

2 - A tarefa, entretanto, não é tão simples e só foi possível, na última partida, por causa da ausência de Bruno Henrique, disparado o melhor atacante do time, poupado por causa de dores no tornozelo. Como Jesus formará sua equipe juntando todos eles é um de seus primeiros trabalhos de Hércules.

3 - O torcedor apaixonado, naturalmente, defenderá a barração sumária de Wiliam Arão, outro notório desafeto da arquibancada e das redes sociais. Não custa lembrar, entretanto, que, mesmo com dois volantes, a defesa rubro-negra tem sido uma peneira. Com um só a coisa pode ficar sinistra. Se vira nos 30, Jesus!

4 - A contratação de laterais decentes para os setores direito e esquerdo da defesa deve ser uma exigência feroz do novo treinador. Pelo que se diz, Rafinha estaria vindo. Mas e para o lugar de Renê? No mínimo, enquanto não vier um jogador mais capacitado, é melhor escalar o Trauco. Essa preferência pelo atual titular em detrimento do peruano, destaque da seleção de seu país, me lembra os tempos em que Márcio Araújo deixava Cuellar no banco - e muito torcedor apoiava essa aberração. Quando o colombiano, enfim, teve uma sequência de jogos, virou o monstro que se conhece. Trauco, como Cuellar, é tecnicamente mil vezes melhor que o atual titular. Mostrou isso também contra o Fortaleza.

5 - Por falar em Cuellar, o novo treinador precisa avisar logo à diretoria que não aceita abrir mão dele de forma alguma. Os deslumbrados neo-rubro-negros que dirigem o time estão com um negócio quase fechado com o Watford, da Inglaterra, por um preço absurdamente inferior ao valor da multa rescisória! Se isso acontecer, será um crime contra o Flamengo. Não criticaram tanto o Bandeira pela venda de Lucas Paquetá para o Milan, também por quantia inferior à fixada em seu contrato? Como podem pensar em fazer o mesmo agora com um dos principais jogadores do elenco? É pecado mortal, Jesus, não dá para perdoar! Senta a mamona nesses vendilhões do templo.

6 - Um dos preceitos do futebol moderno é o jogo compactado, como se gosta de dizer atualmente. O Flamengo de Abel pouquíssimas vezes conseguiu atuar assim. Dorival, Carpegiani, Rueda, Barbieri e Zé Ricardo tampouco obtiveram sucesso nesse quesito, por mais que o defendessem nas entrevistas e preleções. Dizem os portugueses que essa é uma das especialidades de Jorge Jesus. Se for e ele conseguir colocá-la em prática aqui, aplaudirei de pé.

7 - Seja qual for o conceito de jogo do novo treinador é imperativo que saiba que o torcedor do Flamengo exige que sua equipe esteja sempre no ataque. Principalmente no Maracanã. Essa obsessão levou Abel a buscar uma estratégia diferente da que mais gosta e considera ideal ("fechar a casinha" e sair rapidamente em contra-ataques pelas pontas, buscando um centroavante fixo dentro da área), e deu no que deu. Tentando chegar a um meio-termo, ele acabou não sendo capaz de fazer o time do Fla jogar o que dele se espera.

8 - Aliás, não importa qual seja a sua avaliação do elenco, a da torcida será sempre a de que, gastando o dinheiro que gastou, o Flamengo tem a obrigação de disputar todos os títulos e ganhar alguns, senão todos. Não acredite nesse papo furado de trabalho a longo prazo. Só conseguirá isso no Mais Querido se for enchendo o salão de troféus de novas taças. O rubro-negro não quer mais nem ouvir falar dessa história de "cheirinho".

9 - Muito cuidado com o "apoio incondicional e a solidariedade eterna" dos cartolas e dos atuais dirigentes do departamento de futebol. Eles não se entendem nem entre eles, e no primeiro tropeço você acabará crucificado como o seu xará. Sem direito à ressurreição. Trabalhe fechado com os jogadores e os seus auxiliares diretos e trate de obter resultados. Rapidamente...

10 - Disse o zagueiro David Luiz, com quem você trabalhou no Benfica, que uma de suas capacidades é de ver três jogos ao mesmo tempo. Não sei muito bem qual a vantagem disso, mas aqui aconselho que veja bem o do Flamengo e o de seus adversários. Basta. E, como canta o hino rubro-negro, trate de "vencer, vencer, vencer". Se começar a perder, nem o xará lá de cima será capaz de salvá-lo. Boa sorte e amém...