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Projeto em Rondônia adota UTIs do SUS para dar exemplo a poder público

Equipe UTI de Rondônia - Divulgação
Equipe UTI de Rondônia Imagem: Divulgação

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

11/01/2020 04h00

Nem novas tecnologias, nem novas medicações. O foco de um projeto da AMBIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) para melhorar o desempenho de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) públicas no país está na organização e no trabalho em equipe. Batizada de AMIB Adota, a iniciativa, como o nome já indica, consiste na adoção de um hospital do SUS (Sistema Único de Saúde) para receber, gratuitamente, intervenções da associação, como treinamentos de equipe, consultorias e monitoramento de indicadores de sua UTI.

Cerca de R$ 300 mil estão sendo investidos na ação, iniciada em novembro em uma unidade da capital de Rondônia - o Hospital João Paulo II, de Porto Velho. A unidade conta com 10 leitos de UTI e atende, além da população do estado, cidades vizinhas da região amazônica e da Bolívia. O acompanhamento vai durar 12 meses e envolver cerca de 50 profissionais da AMIB.

"Não existe bala mágica na medicina intensiva", afirma o médico Ederlon Rezende, que coordena o projeto da AMIB. Segundo ele, o objetivo do projeto-piloto é mostrar ao poder público como o investimento em organização pode fazer a diferença nos resultados de uma UTI pública. É o caso da redução de taxas de infecção entre os pacientes e de indicadores, como de mortalidade ajustada à gravidade e duração dos internamentos. "Se nós conseguimos, por exemplo, diminuir o tempo de permanência dos pacientes, liberamos mais leitos e mais pessoas podem ser atendidas", observa Rezende.

UTI de Rondônia - Divulgação - Divulgação
O objetivo do projeto-piloto é mostrar ao poder público como o investimento pode fazer a diferença nos resultados
Imagem: Divulgação
O atendimento de qualidade nessa área, complementa ele, não implica necessariamente em mais recursos, mas em uma mudança de cultura para alterar desfechos em UTIs. Hoje, assinala o médico, proporcionalmente há mais UTIs privadas organizadas do que UTIs públicas. Isso porque os estabelecimentos públicos costumam ter mais dificuldades em estabelecer padrões de qualidade e segurança no dia a dia. "É claro que existem vários fatores de incentivo junto às UTIs privadas, como a concorrência e programas de acreditação. E do lado das UTIs públicas, dificuldades do setor público que desmotivam pessoas. Por isso, acreditamos no impacto dessa ação. Todo mundo pode precisar de uma UTI em algum momento da vida", pontua.

De acordo com a AMIB, o Brasil tem 1.961 UTIs em atividade. Vinte e oito por cento, o equivalente a 550 UTIs, são exclusivamente públicas. Outras 499, 26%, são de cunho filantrópico. Juntas, essas estruturas correspondem a 54% das UTIs do território nacional.

Seleção

Após o lançamento do AMIB Adota em agosto, a AMIB passou três meses recebendo inscrições de hospitais interessados em participar do projeto. A condição para candidatura era que os estabelecimentos atendessem predominantemente pacientes do SUS, apresentassem uma equipe disposta a mudanças e estivessem dispostos a coletar dados internos por 90 dias. Esses números eram importantes para que a entidade pudesse medir a necessidade de mudança de performance da UTI hospitalar.

Apesar de não estarem previstas despesas para o hospital participante, houve apenas 18 inscritos. O coordenador do AMIB Adota analisa que esse número poderia ter sido dez vezes maior. "No entanto, para isso, é preciso, primeiro, de vontade mudar. Segundo, ter indicadores ou interesse em coletar indicadores de performance. Ocorre que muitas UTIs hoje sequer têm indicadores sobre como funcionam", pondera Rezende.

Transparência

Ele observa que, na tentativa de garantir mais transparência a esses dados, a associação criou uma plataforma chamada UTIs Brasileiras. A iniciativa, desenvolvida em parceria com a Epimed Solutions, coleta informações sobre o desempenho de leitos adultos de UTIs do país e os divulga na internet. Embora o nome dos hospitais não seja revelado, é possível traçar um comparativo entre UTIs da rede pública e privada.

Thattyane Barbosa - UTI de Rondônia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Thattyane Barbosa é coordenadora da UTI do Hospital João Paulo II, de Porto Velho
Imagem: Arquivo Pessoal
A médica intensivista Thattyane Barbosa, coordenadora da UTI selecionada pelo AMIB Adota, a do Hospital João Paulo II, de Porto Velho, descobriu a oportunidade do programa gerencial da AMIB através do UTIs Brasileiras. "Até então, não tínhamos como medir nossos indicadores, fazíamos tudo de forma manual. Quando fizemos o cadastro no UTI Brasileiras, vimos que havia um projeto para treinamento das equipes e nos inscrevemos", diz.

Thattyane, que está há oito anos trabalhando na unidade, observa que intervenções como as propostas podem injetar mais motivação junto a profissionais da área. "Depois de um tempo, as coisas começam a ficar muito mecânicas e é preciso um estímulo. Vimos na AMIB a possibilidade de melhorar mesmo com poucos insumos, que é a situação de muitos serviços públicos de saúde no Brasil", define.

Melhorias

A UTI do João Paulo II começou a apresentar mudanças já nessa primeira fase do projeto, de definição de papéis. Desde o início do ano, o estabelecimento, explica a médica, já vinha contando com apoio de uma equipe do Hospital Sírio Libanês, através do PROADI (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional) SUS, do Ministério da Saúde, para implementar ações de segurança do paciente, no complexo hospitalar como um todo. Isso contribuiu para que a equipe iniciasse no AMIB Adota de maneira proativa, com a revisão, por exemplo, de ações que implicam na rotatividade da UTI.

"Começamos a fazer algumas mudanças na nossa logística e usar melhor nossos leitos. Às vezes, tínhamos casos de pacientes que ficavam mais tempo na UTI porque pensávamos que eles não aguentariam ficar na enfermaria. Agora temos um respaldo maior da enfermaria e, com isso, mais segurança em dar alta para eles", comenta Thattyane. Essa dinâmica também teve reflexo na incidência de pacientes com infecções.

A meta da UTI do João Paulo II no AMIB Adota é melhorar os indicadores e os processos assistenciais. Hoje, cerca de 30 profissionais, entre médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, fonoaudiólogos e assistentes sociais, atuam na área assistencial da UTI.

Entre os indicadores a serem considerados pelo estabelecimento para medir a eficiência da UTI local está o de mortalidade ajustada para a gravidade do paciente - a TMP, taxa de mortalidade padronizada. Nesse caso, quando a taxa é superior a 1, a mortalidade está acima do esperado para a gravidade. Já quando o número é inferior a 1, quer dizer que a mortalidade é inferior à prevista para o caso.

Outro indicador importante na área é a TURP, taxa de utilização de recursos padronizados. Se o indicador marcar acima de 1, quer dizer que o hospital está usando mais recursos do que o previsto para aquele caso. Quando a marcação é abaixo de 1, significa que a unidade usou menos recursos do que o esperado.

Troca de lugar

Quem já precisou ficar internado em uma UTI pode dizer o quanto uma equipe bem treinada pode fazer a diferença na recuperação de um paciente. Há três anos, a técnica de enfermagem Regiane Coser, de 37 anos, teve um cisto rompido no ovário e precisou ser internada às pressas na UTI do Hospital João Paulo II, onde ela também era funcionária.

Equipe UTI de Rondônia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Regiane Coser, de 37 anos, teve um cisto rompido no ovário e precisou ser internada
Imagem: Arquivo Pessoal

"Tinha acabado de voltar de viagem e sentia dores abdominais, achava que era um problema gástrico. Acabei indo para a sala de emergência, quando tive duas paradas cardiorrespiratórias", recorda Regiane, que ficou cinco dias na UTI e percebeu, quando voltou a si, uma força-tarefa montada para atendê-la. "Recebi uma atenção muito grande, com cuidados 24 horas. Me lembro de tudo, da fisioterapeuta conversando comigo, da nutricionista. Vi o quanto é importante ter ao lado uma pessoa para dizer o seu nome e onde você está quando acorda", avalia.

A experiência, apesar de assustadora, fez com que Regiane passasse a enxergar as UTIs de uma maneira mais integrada. Hoje, ela afirma que consegue enxergar, como profissional e paciente, a importância da equipe como um todo. "Quando passamos por essa situação, mudamos nosso pensamento. Começamos a ver como cada profissional trabalha, não só a nossa função", enfatiza.