Questão de decência

Mario Sergio Cortella reflete sobre a necessidade de sermos antirracistas e cobra ação da branquitude

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo MOV

Como propor transformações quando a sociedade acha que racismo é assunto só de negros?

A resposta (ou parte dela!) está em "Ideias", programa de MOV que estreia hoje (1º) com episódio criado em parceria com Ecoa, plataforma do UOL por um mundo melhor. Grandes mentes da sociedade brasileira têm espaço para transmitir uma opinião sobre um único tema. Incômodos, experiências pessoais, propostas e algumas soluções em dez minutos de conversa em vídeo.

Assista abaixo ao primeiro episódio da série, com o filósofo e escritor Mario Sergio Cortella.

Mario Sergio Cortella nasceu em Londrina, no Paraná, onde os colegas de sala não eram negros, nem os personagens das cartilhas escolares usadas Brasil afora para alfabetizar crianças e adultos, como a "Caminho Suave". Um terço de sua cidade natal era formada por nipônicos. A outra parte, por brancos. Ninguém achava estranho ou queria discutir sobre termos como racismo ou racialidade. A pergunta a seguir foi, então, o desafio proposto por Ecoa ao hoje doutor em educação e filósofo popstar:

Como propor transformações quando a sociedade acha que é racismo é assunto só de negros?

Cortella, que foi orientado pelo famoso e respeitado educador Paulo Freire na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), põe na mesa como a branquitude ignora ou é contra a discussão racial.

Nos últimos anos, um termo é cada vez mais usado para reverter a situação: o antirracismo. Ou seja: não é preciso apenas reconhecer que há racismo em nossa sociedade. É preciso enfrentá-lo. Além de citar a ativista norte-americana Angela Davis, o pensador pontua também: "É como a frase clássica sem autoria identificada: os ausentes nunca têm razão."

O professor sugere estudar a estrutura histórica da nossa sociedade. Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, os brancos dominaram os postos de poder. A ausência de pessoas negras na televisão, nos comerciais, nas escolas e universidades reforçaram que o homem branco era o centralizador das decisões coletivas.

O racismo me afeta muito pouco como vítima. Mas, como indivíduo, dentro de uma sociedade, numa humanidade, marcada pela noção de empatia e compaixão, isso me afeta imensamente. Eu tenho uma expectativa, que ela é positiva no campo do desejo, mas não acho que a gente terá uma modificação tão profunda se não houver uma militância contínua por parte de quem for negro e por parte de quem não for. Os ausentes nunca têm razão. O que virá nesse movimento pós-pandêmico não pode, de modo algum, ser a omissão, ser o silêncio em relação àquilo que grita na nossa frente

Mario Sergio Cortella

Mas foi só em São Paulo, onde mora desde a adolescência, que Cortella pôde observar a estrutura racista na prática. Teve, enfim, acesso a um mundo mais plural e urgente. É quando começa a questionar termos como "cor de pele" dado aos curativos ou os comerciais de xampu onde todos possuem cabelos alisados.

Mesmo quando tornou-se professor universitário, Cortella ainda presenciou o racismo cometido contra os poucos colegas professores negros. Era um assunto quase inescapável, apesar de ser um homem branco. "Não posso falar de racismo, como não posso falar da fome. Eu sinto fome, mas não passei fome. É como o racismo: não posso falar de, enquanto vítima, mas devo falar sobre", diz.

Para Cortella, o papel do branco é ser um aliado da inclusão neste processo transformador de nossa sociedade. "Eu não sinto um enfraquecimento na minha condição de não afrodescendente", diz.

O filósofo usa uma leitura do revolucionário russo Vladimir Lênin da "curvatura da vara". Ou seja: por séculos de escravização e exclusão, a "vara olímpica" da igualdade racial foi pressionada e revertida em energia.

"Ideias" vai dar espaço para que grandes personalidades e pensadores façam reflexões sobre assuntos que estão em pauta, em conversas dinâmicas e não menos profundas.

Não haverá uma transformação profunda se não houver uma militância contínua da parte de quem for negro, e de quem não for. É outra frase clássica atribuída à Angela Davis: não basta não ser racista. É preciso ser antirracista

Mario Sergio Cortella

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